A busca equivocada pela tutela dos órgãos de defesa do consumidor

O Decreto nº 2.181, de 20 de março de 1997, foi o responsável por regulamentar a atuação das entidades que compõem o Sistema

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O Decreto nº 2.181, de 20 de março de 1997, foi o responsável por regulamentar a atuação das entidades que compõem o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor – SNDC, tratando, inclusive, a respeito da competência dos órgãos que fazem parte deste sistema nacional.

 

O artigo 4º do referido decreto elenca as atividades que são de competência das entidades estaduais e municipais responsáveis por resguardar os interesses dos consumidores. Dentre seus incisos, merecem destaque, no ponto, o inciso II (dar atendimento aos consumidores, processando, regularmente, as reclamações fundamentadas) e o inciso III (fiscalizar as relações de consumo). Ou seja, resta claro que o foco destas entidades está em tutelar os interesses dos consumidores.

 

No entanto, estas atribuições não podem ser analisadas de forma dissociada do conceito inicial de ‘consumidor’, apresentado pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990).

 

A legislação consumerista, em seu artigo 2º, define de forma precisa quais são as pessoas (físicas ou jurídicas) que podem ser consideradas como consumidores, ou seja,  consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Ainda, existe a possibilidade da equiparação, sendo que equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

 

Destinatário final do produto ou serviço é um conceito importante, uma vez que é a partir dessa análise que as pessoas poderão ser classificadas (ou não) como consumidores de um produto ou serviço, definindo, consequentemente, a quem poderão se socorrer em caso de reclamações. A questão da destinação final possui, basicamente, duas linhas de entendimento: a finalista e a maximalista.

 

A finalista, defendida pela jurista Cláudia Lima Marques, é no sentido de que, para ser considerado destinatário final, o adquirente de determinado produto ou serviço tem que ser o destinatário fático e econômico. Por isso,  no caso da  pessoa jurídica, para ser considerada destinatária final,  deve adquirir ou utilizar o produto ou serviço fora de sua atividade econômica, pois o fim do Código de Defesa do Consumidor é tutelar de maneira especial um grupo da sociedade que é mais vulnerável (MARQUES, 2011, p. 254).

 

Já a corrente maximalista prega que, para a pessoa jurídica ser consumidora, basta que seja destinatária fática, ou seja, basta que retire o produto ou serviço do mercado de consumo, não importando a sua destinação (MARQUES, 2011, p. 254).

 

Em que pese tais fatos, tem-se notado, além da popularização da aplicação do Código de Defesa do Consumidor, a busca pela tutela de entidades de defesa do consumidor por pessoas que, dada a relação estabelecida contra quem reclamam uma solução, não se enquadram na definição de ‘consumidor’, mesmo que por equiparação.

 

Relações mercantis, onde duas pessoas (não necessariamente jurídicas formais) realizam um contrato de fornecimento de insumos uma para a outra, não podem ser classificadas como sendo de consumo pelo simples fato de que a pessoa (física ou jurídica) que adquire estes insumos não é a destinatária final da cadeia de consumo.

 

Neste ponto, destaca-se a lição do jurista Fábio Ulhôa Coelho, para o qual o conceito de destinatário final do produto ou serviço está ligado ao conceito de insumo (produto ou serviço indispensável à atividade econômica), ou seja, se não interferir na atividade econômica é destinatário final, caso contrário, não será relação de consumo (COELHO, 2011, p 95). Um exemplo simples deste conceito é o uso do serviço de telefonia por parte de uma empresa que será consumidora deste serviço.

 

O Superior Tribunal de Justiça entende que, mesmo se tratando de empresário informal, para que o consumidor seja considerado destinatário econômico final, o produto ou serviço adquirido ou utilizado não pode guardar qualquer conexão, direta ou indireta, com a atividade econômica por ele desenvolvida; o produto ou serviço deve ser utilizado para o atendimento de uma necessidade própria, pessoal do consumidor (Conflito de Competência Nº 92.519 – SP, Segunda Sessão do Superior Tribunal de Justiça, Relator (a): Ministro Fernando Gonçalves, Julgado em 16/02/2009).

 

Já existem decisões exaradas por entidades locais de defesa do consumidor atentando às colocações do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de arquivar investigações instauradas com base em reclamações de pessoas que não se enquadravam no conceito de consumidor posto pelo Código de Defesa do Consumidor.

 

No entanto, a falta de conhecimento a respeito da lei especial, bem como o oportunismo momentâneo que atinge o Código de Defesa do Consumidor e as relações de consumo de maneira geral, continuarão a embasar, por um bom tempo, a busca equivocada dos Procons, Edecons e demais órgãos que compõem o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, para tutelar relações que não são de consumo. Consequentemente, a aplicação do bom Direito restará comprometida por conta disso.