Medidas Alternativas em Estado de Calamidade- Flexibilização de normas trabalhistas conforme Lei 14.437/2022
O Governo do estado do Rio Grande do Sul decretou estado de calamidade pública no território estadual através do Decreto 57.596, de 1º de maio de 2024.
O Governo Federal, a partir da aprovação do Decreto Legislativo n. 236/2024, no dia 07/05/20247, reconheceu o estado de calamidade pública no estado do Rio Grande do Sul até 31 de dezembro de 2024.
Em virtude do reconhecimento do estado de calamidade pública pelo Governo Federal, torna-se aplicável a Lei 14.437/2022, que autoriza o Poder Executivo federal a dispor sobre a adoção de medidas trabalhistas alternativas e sobre o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, para enfrentamento das consequências sociais e econômicas de estado de calamidade pública em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal.
As medidas trabalhistas alternativas para enfrentamento de estado de calamidade pública ainda dependem de regulamentação pelo Ministério do Trabalho e Previdência, mas de acordo com a Lei 14.437/2022, poderão possibilitar as seguintes alterações nos contratos de trabalho:
1. Teletrabalho:
- O empregador poderá, a seu critério, alterar o regime de trabalho presencial para teletrabalho ou trabalho remoto, além de determinar o retorno ao regime de trabalho presencial, independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos, dispensado o registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho.
-A alteração de regime de trabalho deverá será notificada ao empregado com antecedência de, no mínimo, 48 (quarenta e oito) horas, por escrito ou por meio eletrônico.
-As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação de teletrabalho ou de trabalho remoto e as disposições relativas ao reembolso de despesas efetuadas pelo empregado deverão estar previstas em contrato escrito, firmado previamente ou no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data da mudança do regime de trabalho.
2. Antecipação de Férias Individuais
-O empregador deverá informar ao empregado sobre a antecipação de suas férias com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas, por escrito ou por meio eletrônico, com a indicação do período a ser gozado pelo empregado.
-As férias não poderão ser gozadas em períodos inferiores a 5 (cinco) dias corridos e poderão ser concedidas ainda que o período aquisitivo a que se referem não tenha transcorrido.
-O empregado e o empregador poderão, adicionalmente, negociar a antecipação de períodos futuros de férias, por meio de acordo individual escrito.
-O pagamento da remuneração das férias poderá ser efetuado até o quinto dia útil do mês subsequente ao do início do gozo das férias e o adicional de 1/3 (um terço) poderá ser pago após a sua concessão, até a data em que é devida a gratificação natalina.
3. Concessão de Férias Coletivas
-O empregador poderá conceder férias coletivas a todos os empregados ou a setores da empresa, devendo notificá-los por escrito ou por meio eletrônico, com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas.
-As férias não poderão ser gozadas em períodos inferiores a 5 (cinco) dias corridos e poderão ser concedidas ainda que o período aquisitivo a que se referem não tenha transcorrido, sendo permitida a concessão por prazo superior a 30 (trinta) dias.
-Ficam dispensadas a comunicação prévia ao órgão local do Ministério do Trabalho e Previdência e a comunicação aos sindicatos representativos da categoria profissional, exigidas legalmente.
4. Antecipação de feriados
-Os empregadores poderão antecipar o gozo de feriados federais, estaduais, distritais e municipais, incluídos os religiosos, mediante a notificação dos empregados, por escrito ou por meio eletrônico, com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas, com a indicação expressa dos feriados aproveitados.
5. Banco de Horas
-É permitida a interrupção das atividades empresariais e a constituição de regime especial de compensação de jornada, por meio de banco de horas, estabelecido por meio de acordo escrito individual ou coletivo, para a compensação no prazo de até 18 (dezoito) meses, contado da data de encerramento do período estabelecido no ato do Ministério do Trabalho e Previdência.
-As empresas que desempenham atividades essenciais poderão constituir regime especial de compensação de jornada por meio de banco de horas, independentemente da interrupção de suas atividades.
6. FGTS
-O ato do Ministério do Trabalho e Previdência poderá suspender a exigibilidade dos recolhimentos do FGTS de até 4 (quatro) competências.
-O depósito das competências suspensas poderá ser realizado de forma parcelada, em até 6 vezes, sem a incidência da atualização, da multa e dos encargos previstos no art. 22 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990.
7. Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda
O Poder Executivo Federal poderá instituir o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, que poderá conter as seguintes medidas:
7.1. A redução proporcional da jornada de trabalho e do salário
-O empregador poderá acordar a redução proporcional da jornada de trabalho e do salário de seus empregados, de forma setorial, departamental, parcial ou na totalidade dos postos de trabalho, mediante a celebração de convenção coletiva de trabalho, acordo coletivo de trabalho ou acordo individual escrito entre empregador e empregado.
-Na hipótese de acordo individual escrito, o encaminhamento da proposta de acordo ao empregado com antecedência de, no mínimo, 2 (dois) dias corridos e redução da jornada de trabalho e do salário somente nos seguintes percentuais: 25%, 50% e 70%.
7.2. A suspensão temporária do contrato de trabalho
-O empregador poderá acordar a suspensão temporária do contrato de trabalho de seus empregados, de forma setorial, departamental, parcial ou na totalidade dos postos de trabalho, através da celebração de convenção coletiva de trabalho, acordo coletivo de trabalho ou acordo individual escrito entre empregador e empregado.
-Na hipótese de acordo individual escrito, a proposta deverá ser encaminhada ao empregado com antecedência de, no mínimo, 2 (dois) dias corridos.
- Fica assegurado ao empregado, durante o período de suspensão temporária do contrato de trabalho, todos os benefícios concedidos pelo empregador aos seus empregados, além de ficar autorizado recolher para o Regime Geral de Previdência Social na qualidade de segurado facultativo.
7.3. Pagamento do Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm)
-O Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda poderá ser pago nas hipóteses de redução proporcional da jornada de trabalho e do salário, e de suspensão temporária do contrato de trabalho.
-Caso instituído, o benefício será custeado com recursos da União, mediante disponibilidade orçamentária, de modo que o Ato do Ministério do Trabalho e Previdência disciplinará a forma de transmissão das informações e das comunicações pelo empregador, bem como a sua concessão e pagamento.
Relembramos que as medidas trabalhistas alternativas acima mencionadas ainda dependem da devida regulamentação, razão pela qual estamos na expectativa do Ministério do Trabalho e Previdência estabelecer, nos próximos dias, os parâmetros para as medidas serem adotadas pelas empresas do estado do Rio Grande do Sul.
Importante destacar que o Ministério Público do Trabalho, no entanto, já se manifestou através da recente Recomendação nº 02/2024- GT Desastre Climático, publicada em 10/05/2024, orientando os empregadores a priorizar, quando da adoção das medidas de enfrentamento do estado de calamidade pública, a implementação do teletrabalho, a antecipação de férias individuais, a concessão de férias coletivas, o aproveitamento e antecipação de feriados, a adoção de banco de horas e a suspensão do contrato de trabalho para participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador. Recomendando, ainda, que os empregadores se abstenham de adotar a medida de suspensão temporária do contrato de trabalho, salvo como parte integrante de Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, na hipótese de instituição pelo Governo Federal.
Conteúdo produzido pela advogada Marieli Ribeiro Vieira.
A importância das negociações coletivas para minimização do impacto econômico e social
durante o estado de calamidade
Com o incremento dos constantes processos de modernização, concede-se espaço para a
existência de uma sociedade muito mais próxima das consequências derivadas dos avanços do
homem. Trata-se de uma sociedade que possui dificuldades em prever as consequências – e os
riscos – aos quais está exposta. É o que o sociólogo Zygmunt Bauman referia como “sociedade
da incerteza”, desenvolvida em meio a perigos não-calculáveis. 1
Os desastres ambientais, a existência de doenças em proporções pandêmicas, dentre outros,
aproximam nossa realidade, cada vez mais, para um cenário no qual novas realidades fáticas
surgem e o Direito – distante de mero conjunto de regras, mas de normas jurídicas,
interpretáveis e que buscam adequação aos fatos – passa a exigir e fazer frente às questões
contingenciais.
Diante da situação de calamidade pública declarada no estado do Rio Grande do Sul, não
somente as medidas previstas na lei nº 14.437/2022 possibilitam a flexibilização na execução
dos contratos de trabalho, mas também o estabelecimento de modificações nos contratos de
acordo com as realidades de cada categoria de empregados.
É importante lembrar que não é somente a legislação que serve como imposição de limites às
práticas em sociedade. Nas relações trabalhistas, inclusive, as normas coletivas (negociadas
com o sindicato da categoria), em diversos aspectos, possuem mais força do que a própria lei.
É assim que se mostra possível estabelecer, pelo empregador, mediante ajuste com os
representantes dos empregados, por exemplo, flexibilizações na jornada existente,
estabelecimento de novos formatos de execução de jornada, modificação na execução dos
períodos de férias, antecipação de feriados, dentre outros diversos aspectos.
Vale lembrar que a negociação coletiva ora trazida não se trata daquela realizada para
atualização do piso salarial, realizada entre os sindicatos de ambas as categorias. Trata-se de
negociação entre empregados e empregadores, que, sobretudo em períodos de crise, a partir
de objetivos comuns – como a manutenção dos empregos e da atividade empresarial –
estabelece novas possibilidades contratuais entre sindicato profissional e empregador.
Surge, assim, a possibilidade de abrir-se a negociação de forma específica à atividade de
determinada empresa, fortalecendo o estabelecimento destas novas regras, além de conceder
legitimidade para a adoção das medidas alternativas em períodos de crise.
1 BAUMAN, Zygmunt. Medo líquido. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2008. p. 129-130.
Lembra-se que o Supremo Tribunal Federal (STF) já realizou a análise do tema 1046, firmando
o entendimento de que as normas negociadas entre sindicatos, ou entre a empresa e
sindicato, podem prevalecer sobre a legislação, permitindo, inclusive, a restrição de direitos. E
mais: o acordo entre empregador e sindicato prevalece, inclusive, quanto à convenção coletiva
da categoria, o que permite um elevado grau de segurança na condução da adoção de
medidas durante o período do estado de calamidade.
É possível, por exemplo, antecipar os períodos de férias com flexibilização de pagamentos e de
prazos para concessão, bem como, diante das dificuldades de locomoção entre residência e
local de trabalho, modificar a execução das jornadas realizadas, ampliando o número de horas
diárias e diminuindo a frequência de comparecimento do empregado na empresa.
Desta forma, no presente momento, com o objetivo de minimizar impactos econômicos e
sociais em tempos de crise, o desenvolvimento e a formalização de acordos com os sindicatos
trata-se de medida prioritária, que deve ser construída a partir do debate jurídico com o ente
sindical que deve calcar-se na proatividade derivada da iniciativa do empregador.
Conteúdo produzido pelo advogado Gabriel Baingo Fabris.
Alternativas aos contratos de trabalho diante da paralisação, total ou parcial, das atividades
empresariais decorrente de Força Maior.
A situação da enchente vivenciada no estado do Rio Grande do Sul exemplifica o conceito de
força maior, caracterizada por fato alheio à vontade do empregador, diante de sua magnitude,
bem como da impossibilidade de contenção pelo Poder Público ou pela iniciativa privada. Tal
situação pode acarretar na paralisação, total ou parcial, temporária ou definitiva, das
atividades empresariais e, com isso, surge a necessidade de buscar soluções de cunho
econômico e social.
No cenário de ocorrência de paralisação das atividades do empregador por motivos de força
maior, algumas alternativas são encontradas nas fontes jurídicas na busca pela sua adoção
com foco na manutenção da atividade empresarial. Lembre-se que o episódio pandêmico,
ocorrido em meados do ano de 2020, contribuiu para o desenvolvimento de meios
alternativos para situações de paralisação, definitiva ou temporariamente, das atividades.
Assim, em casos de paralisação definitiva das atividades empresariais, a legislação trabalhista
permite que, em casos de extinção da empresa, seja possível estabelecer-se a redução de
verbas rescisórias aos empregados cujo contrato for rescindido sem justa causa.
Entretanto, se ocorre a interrupção temporária da atividade empresarial pelo motivo de
enchentes, por exemplo, é possível a adoção das previsões da Lei n. 14.437/22. Da mesma
forma, o Ministério Público do Trabalho (MPT), a partir de sua Recomendação nº 02/2024 traz
sugestões aos empregadores, conforme abaixo se cita:
1. Teletrabalho, a fim de permitir a continuidade do labor sem necessidade de deslocamento;
2. Antecipação de férias individuais, permitindo que o empregado, não obstante não
exerça suas atividades, seja remunerado;
3. Concessão de férias coletivas em virtude da ausência de atividade na empresa;
4. Antecipação de feriados para suprir eventuais faltas;
5. Adoção de banco de horas, inclusive para compensação de horas cujo labor não tenha
sido prestado;
6. Suspensão do contrato para qualificação profissional (artigo 476-A da CLT);
Ainda, a recomendação do MPT sugere a abstenção de suspensão dos contratos de trabalho, a
garantia de que os empregados atingidos não tenham perdas salariais, recomendando a
flexibilidade da jornada e a adoção de política de gestão emergencial, buscando evitar
violências e assédio.
Ainda, é possível buscar-se, mediante celebração de acordo com o ente sindical, mediante
negociação coletiva, a redução de salários em até 25%, de forma proporcional, até a cessação
do estado de calamidade pública.
É importante lembrar que as medidas acima citadas possuem sempre o objetivo de preservar o
emprego e a renda, sendo que sua adoção é estimulada não somente pelo Poder Judiciário,
mas também pelos Órgão Fiscalizadores e Ministério Público do Trabalho.
Por fim, a busca de alternativas para o enfrentamento do estado de calamidade causado pelas
enchentes no estado do Rio Grande do Sul se mostra muito relevante, sendo possível a adoção
segura das medidas alternativas citadas de forma que, atrelado à negociação sindical e
elaboração de norma coletiva, concedam segurança aos aspectos econômicos e sociais
envolvidos.
Nosso escritório coloca-se à disposição para debater, sanar quaisquer dúvidas sobre o assunto
e particularidades de cada situação, além de auxiliá-los na construção de alternativas seguras
para a atividade empresarial neste cenário de calamidade.
Conteúdo produzido pelo advogado Gabriel Baingo Fabris.