O seguro de responsabilidade civil que protege o patrimônio dos diretores, administradores e conselheiros que exerçam, e/ou passem a exercer, e/ou tenham exercido, cargos de administração e/ou de gestão (seguro RC D&O – Directors and Officers Liability Insurance), está regulamentado na Circular SUSEP nº 553, de 23 de maio de 2017 (que substituiu a Circular SUSEP nº 541 de 2016), e tem como objetivo garantir a reparação de danos e prejuízos causados por esses profissionais nos atos de gestão quando agirem sem culpa. Assim, o seguro visa preservar não só o patrimônio individual dos que atuam em cargos de direção (segurados), mas também o patrimônio da empresa tomadora do seguro e de seus acionistas, já que serão ressarcidos de eventuais danos involuntários causados a terceiros, fomentando atos inovadores de gestão.
A Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/76) disciplinou no seu artigo 155 o dever de lealdade dos administradores. Dentre as práticas que a legislação visa coibir destaca-se a prática do insider trading, consistindo, em suma, na proibição de divulgação ou utilização de informações sigilosas com intenção de lucro próprio ou alheio em detrimento da companhia.
Portanto, embora venha-se buscando formas de incentivar práticas mais livres pelos administradores, de forma a termos negócios mais inovadores, estimulando as atividades econômicas do país, deve-se resguardar que tais práticas sejam realizadas à luz do boa-fé dos negócios jurídicos. Razão pela qual, o administrador que conhecer de informações privilegiadas da companhia, que ainda não foram divulgadas ao mercado, tem o dever de manter o seu sigilo, sob pena de ser responsabilizado nos termos da legislação.
É imprescindível que a informação seja relevante para o mercado e que ainda não tenha sido divulgada, para que se caracterize a prática ilícita do insider trading.
Diante do exposto, a prática de insider trading tem um potencial danoso apto a desestabilizar o mercado de capitais, a confiança dos investidores e a reputação não apenas da empresa, mas do país como um todo.
Nesse sentido, embora a prática do insider trading possa vir a majorar o risco na contratação do seguro, através de futuras demandas indenizatórias, a proibição da sua prática e ausência de cobertura pelo seguro de RC D&O está atrelada a não cobertura de atos dolosos e de favorecimento pessoal, os quais não serão protegidos pela apólice do seguro, independente da majoração do risco.
Inclusive, é exatamente o que prevê o artigo 765 do Código Civil Brasileiro que positiva a boa-fé como uma das obrigações a serem respeitadas nos contratos de seguro.
Com fundamento nesse dispositivo, combinado com o artigo 766 do mesmo diploma, é que o Superior Tribunal de Justiça entendeu que o seguro D&O não pode prever a cobertura de atos dolosos. Esse entendimento foi proferido no julgamento do Recurso Especial nº 1.601.555/SP, de relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva que assentou em seu voto que “A apólice do seguro de RC D&O não pode cobrir atos dolosos, principalmente se cometidos para favorecer a própria pessoa do administrador, o que evita forte redução do grau de diligência do gestor ou a assunção de riscos excessivos, a comprometer tanto a atividade de compliance da empresa quanto as boas práticas de governança corporativa.”.
Sendo assim, o Poder Judiciário brasileiro entende que a proteção das informações das companhias deve ser preservada e, a utilização dessa informação pelo administrador visando vantagem indevida para si ou para outrem não pode ser objeto de seguro, sob pena de se estar segurando atitudes ou atividades ilícitas. É dizer que, embora esta espécie de seguro venha ao encontro de práticas inovadoras, não pode coadunar com ilicitudes em proveito próprio dos insiders, o que levaria até mesmo a conflitos de interesses entre administrador e administrada.
Assim, considerando que o seguro, em sua forma geral, prescinde da caracterização de boa-fé do segurado e da seguradora, verifica-se a absoluta inviabilidade da cobertura da prática de insider trading pelo Seguro RC D&O por se tratar de prática dolosa praticada em benefício do insider ou de terceiro em detrimento da empresa e, principalmente, de má-fé, ocasionando em grave desproporção na relação contratual firmada entre as partes.
Diante do exposto, verifica-se que a decisão proferida pelo STJ no Recurso Especial nº 1.601.555/SP eleva a boa-fé entre as partes e a predeterminação dos riscos previstos no Código Civil, com o correto afastamento da prática de insider trading dos seguros RC D&O.