A Portaria n. 913 publicada em 22/04/2022 pelo Ministério da Saúde declarou, no âmbito da União, o encerramento da emergência de saúde pública de importância nacional em decorrência da Covid-19. No entanto, segundo a Organização Mundial da Saúde, independentemente da melhora no cenário epidemiológico, a Covid-19 continua sendo classificada como pandemia, e, portanto, representa estado de emergência de saúde pública de âmbito internacional.
Diante do retorno das atividades presenciais, surgem questionamentos e reflexões sobre se a recusa individual à imunização pode colocar em risco a saúde dos demais trabalhadores. Ou seja, até onde vai o interesse particular, em detrimento do interesse coletivo?
Assim, questiona-se se é possível que o empregador aplique a dispensa por justa causa aos empregados que se recusarem a tomar a vacina contra a Covid-19 sem razões médicas.
Não existe legislação específica que possibilita ou não o empregador despedir por justa causa em caso de recusa de vacinação. O artigo 482 da CLT, que dispõe sobre as possibilidades de dispensa por justa causa não trata sobre este caso concreto.
Contudo, na Constituição Federal, na CLT e demais legislações esparsas encontramos diversos dispositivos que tratam sobre normas de higiene, saúde e segurança do trabalho que devem ser observados tanto pelo empregador quanto pelo empregado, haja vista que é dever de ambos manter um meio ambiente de trabalho saudável.
O Programa Nacional de Imunização-PNI, criado em 1973, tem como objetivo prevenir e controlar doenças imunopreveníveis, mediante ações sistemáticas de vacinação da população, dispondo sobre a obrigatoriedade da imunização. Além disso, a Portaria n. 597/2004 do Ministério da Saúde, determina que as vacinas e períodos estabelecidos nos calendários de vacinação são de caráter obrigatório. A referida Portaria dispõe que a comprovação da vacinação é requisito para pagamento de salário-família; para efeito de matrícula em creches, pré-escola, ensino fundamental, ensino médio e universidade; para efeito de alistamento militar e concessão de benefícios sociais. Ademais, a depender da função a ser desempenhada, o empregador pode exigir o certificado de vacinação.
Ainda, a Lei n. 13.679/20 dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da COVID-19, que objetivam à proteção da coletividade. No seu artigo 3º, trata sobre a adoção de medidas para enfrentamento da pandemia, estabelecendo a obrigatoriedade da vacinação.
No ano passado, o Supremo Tribunal Federal tratou o tema por meio das Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. 6.586 e n. 6.587, entendendo que a vacinação compulsória não significa vacinação forçada, porquanto facultada sempre a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência a determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes.
Desta forma, a obrigatoriedade da vacinação é constitucional e não afronta o princípio da liberdade de consciência, inclusive por se tratar de saúde pública e interesse coletivo.
Assim, segundo entendimento do STF, embora não se possa vacinar compulsoriamente, o Estado pode aplicar sanções a quem se recusar a tomar o imunizante. É importante, portanto, que a pessoa esteja ciente que pode sofrer restrições no exercício de direitos.
Por outro lado, a Portaria n. 913/2022 do Ministério da Saúde, dentre algumas mudanças, prevê a não obrigatoriedade da adoção de medidas como o uso de máscaras e distanciamento no ambiente de trabalho, embora as empresas possam continuar a adotar tais disposições por meio de regulamentos internos, adotando uma postura de prevenção e cuidado com a saúde e a segurança de todos os seus colaboradores.
Frise-se, por oportuno, que um ponto polêmico diz respeito ao retorno do trabalho presencial da gestante. Isto porque nos termos da Lei nº 14.311, de 9 de março de 2022, o empregador poderá exigir o retorno presencial da empregada gestante, desde que totalmente imunizada ou mediante assinatura do termo de responsabilidade. Assim, temos que o retorno presencial da gestante poderá ser determinado pelo empregador, ainda que a trabalhadora não tenha sido totalmente imunizada ou que tenha se recusado a se vacinar.
Em que pese a legislação tenha retirado a obrigatoriedade da adoção de medidas preventivas contra a Covid-19, inclusive tendo permitido o retorno de gestantes ao trabalho presencial sem vacinação, tomando como base todo o ordenamento jurídico, ao se tratar de questão de saúde pública, entende-se que um empregado que se recusa a vacinação poderia ser despedido por justa causa.
Contudo, a rescisão por justa causa deve ser tomada após tentativas de orientar o empregado a se vacinar. Nestes casos, é importante o papel do empregador de informar aos empregados sobre a importância na vacinação e a adoção de medidas preventivas. De todo modo, o fato de o empregador não comprovar a adoção de medidas sanitárias obrigatórias ou recomendáveis não exime o empregado de se imunizar.
Vale lembrar que as empresas, visando garantir um ambiente do trabalho saudável podem e devem, preventivamente, estabelecer políticas e protocolos internos para a proteção da saúde dos trabalhadores.
Importante destacar que a Constituição Federal estabelece em seu artigo 200, inciso VIII, o meio ambiente do trabalho como um direito humano fundamental. Do ponto de vista internacional, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais dispõe em seu artigo 12, que "os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental".
Diante disso, é de suma importância observar o cumprimento dos protocolos sanitários, não só como uma mera formalidade. Isso se deve à necessidade de a empresa fornecer um ambiente de trabalho seguro para seus empregados. E sem uma recusa justificada pelo empregado, a empresa pode aplicar o roteiro de sanções que incluem advertência, suspensão e despedida por justa causa.
Nesta linha, encontramos diversas decisões judiciais sobre o tema proferidas pelos Tribunais Regionais do Trabalho e pelo Tribunal Superior do Trabalho, que confirmam a dispensa por justa causa de empregado que não se vacinou contra a Covid-19, fundamentado com base na Constituição Federal, que traz em destaque a preocupação com um ambiente saudável e equilibrado como direito fundamental de todo trabalhador.
Em suma, a exigência de apresentação do atestado de vacinação, em tempos de calamidade pública decretada, ou ainda, pelo fato de ser um dever, tanto do empregador quanto do trabalhador, manter um meio ambiente de trabalho saudável, encontra-se abarcado pelo poder diretivo do empregador, motivo pelo qual a recusa pelo trabalhador em observar essas diretrizes caracteriza falta grave apta a ensejar a ruptura do pacto laboral por justa causa.