A responsabilidade pela reparação dos danos causados pela antecipação de tutela posteriormente revogada em ação civil pública

O sistema processual vigente permite que, em determinados casos, seja possível antecipar liminarmente os efeitos da sentença de mérito. Isto

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O sistema processual vigente permite que, em determinados casos, seja possível antecipar liminarmente os efeitos da sentença de mérito. Isto se dá por meio do instituto da antecipação de tutela, espécie do gênero tutelas de urgência.

 

Todavia, a superveniência de sentença de improcedência do pedido acarretará, independentemente de menção expressa a respeito, a revogação da medida antecipatória, com eficácia imediata e ex tunc.

 

Tal conclusão é obtida a partir da aplicação analógica da Súmula 405 do Supremo Tribunal Federal: “Denegado o mandado de segurança pela sentença, ou no julgamento do agravo, dela interposto, fica sem efeito a liminar concedida, retroagindo os efeitos da decisão contrária.”

 

Segundo ensinamentos de Nelson Nery Júnior, a antecipação dos efeitos da sentença é medida que possui natureza jurídica de execução latu sensu, uma vez que possui objetivo de entregar ao autor, total ou parcialmente, a pretensão levada em juízo. É tutela satisfativa no plano dos fatos, já que realiza o direito, dando ao requerente o bem da vida por ele pretendido com a ação de conhecimento (NERY JÚNIOR, 1994, pg. 71).

 

Seguindo esta linha de entendimento, verifica-se que a legislação processual civil foi clara ao determinar que, nos termos do artigo 475-O, inciso I, corre por iniciativa, conta e responsabilidade do exequente a execução provisória, que se obriga, se a sentença for reformada, a reparar os danos que o executado haja sofrido.

 

Destarte, conforme o sistema processual vigente, independe a discussão acerca da culpa da parte, ou se esta agiu de má-fé ou não. Basta a existência do dano decorrente da pretensão deduzida em juízo, ou seja, o artigo acima citado consagrou a responsabilidade processual objetiva.

 

Contudo, analisando a determinação de retorno ao status quo, é de se perquirir acerca da responsabilidade do autor que teve cassada sua liminar concedida em ação civil pública?

 

Para tais ações, existe regramento especial, Lei 7.347/85, que visa estimular a propositura dessas demandas, tidas pelo legislador como mecanismo de proteção de interesse público. Segundo a lei, fica o autor dispensado do adiantamento de custas, emolumentos e honorários de perito, bem como com a não condenação no ônus da sucumbência, caso venha a ser improcedente a ação.

 

A referida lei, contudo, fez uma ressalva quanto às ações manejadas de má-fé. Nestes casos, não só haverá condenação nos honorários advocatícios de sucumbência, como também ao décuplo das custas processuais, sem prejuízo de eventual responsabilidade processual civil por dano causado pelo processo.

 

Infelizmente, a referida norma legal nada dispôs sobre a responsabilidade pelos danos causados por antecipações de tutela posteriormente revogadas. Da mesma forma, a questão não foi devidamente trabalhada pela doutrina, ficando no campo da superficialidade. Cabe destacar que há posicionamento (GOMES JUNIOR, 1994, pg. 25) de que, se até do mínimo (custas) o autor deve ser isento, o mesmo ocorrerá com relação ao máximo (indenização pelos prejuízos causados).

 

Ao punir o autor pelos prejuízos provenientes de medida antecipatória apenas quando resultante de má-fé, a Lei 7.347/85 incorre em tratamento injusto com relação ao réu que, além de ter vindo ao processo apenas pela ação movida pelo autor, teve prejuízos por uma equivocada antecipação de tutela pleiteada por este.

 

Conforme o Ministro Luis Felipe Salomão, em análise do recurso especial nº. 1.191.262/DF:

 

Ora, a par da já mencionada dispensabilidade do elemento subjetivo, a complexidade da causa, que exigia ampla dilação probatória, não exime a responsabilidade do autor pelo dano processual. Ao contrário, nesse caso, a antecipação de tutela se evidenciava como providência ainda mais arriscada, circunstância que aconselhava uma conduta de redobrada cautela por parte do autor, com a exata ponderação entre os riscos e a comodidade da obtenção antecipada do pedido deduzido.

 

Ou seja, por ter a medida antecipatória apenas indícios da existência do direito, e não a certeza, o risco do seu pedido é grande. Assim, ao requerer a antecipação de tutela, o autor deveria ter ciência dos riscos e prejuízos que esta medida poderia causar, principalmente no caso de o processo vir a ser julgado improcedente.

 

Assim, é possível concluir que os autores de ações civis públicas somente serão responsabilizados pelos danos causados das liminares que lhes forem concedidas quando restar caracterizado o dolo ou a culpa. Contudo, tal sistemática não nos parece a mais adequada, uma vez que acaba dando o mesmo tratamento para institutos diversos – equiparando o pagamento de custas com o instituto da responsabilidade civil.

 

GOMES JUNIOR, Luiz Manoel. A questão da sucumbência na Ação Civil Pública julgada improcedente. Revista de Processo, nº 75, São Paulo: RT, 1994.

NERY JÚNIOR, Nelson. Atualidades sobre o processo civil. 2º ed., São Paulo: RT, 1994.