É praxe que os contratos de prestação de serviços celebrados pelos
planos de saúde com clínicas ou hospitais privados contenham cláusulas com
previsão de prazo para apresentação de contas e para a entrega de faturas dos
atendimentos realizados pelos prestadores aos beneficiários do plano em questão.
Apesar de o serviço ter sido efetivamente autorizado e prestado, não raras vezes as
operadoras de planos de saúde recusam-se a efetuar os respectivos pagamentos, sob
o argumento de que o prazo contratual para a apresentação das contas hospitalares
foi descumprido e, portanto, teria decaído o direito de cobrança.
Ocorre que a estrutura contratual utilizada como regra permite verificar
que a apresentação das contas para pagamento pelo plano de saúde não é um direito
potestativo (poderes ou faculdades do seu titular e que não admitem qualquer
contestação), mas sim um direito subjetivo decorrente da própria essência do negócio.
Isso porque a apresentação das contas pelo prestador do serviço não
gera automaticamente o direito ao recebimento dos valores lá mencionados, já que
dependerá de avaliação do plano de saúde. Ou seja, o direito do prestador de serviços
não é automático e admite contestação por parte do plano de saúde.
Assim, não há como sustentar que o direito de cobrar os valores
decorrentes dos serviços médico-hospitalares prestados é decadencial, mas sim
prescritível. E sendo prescritível o direito subjetivo, não se pode falar em alteração do
prazo previsto em lei diante da expressa vedação legal do art. 192, Código Civil, que
prevalece sobre os interesses das partes e limita a autonomia da vontade. Se a lei
expressamente veda a convenção das partes sobre a prescrição, não há qualquer
dúvida que se trata de norma de ordem pública.
No caso dos contratos de prestação de serviços celebrados por
prestadores de serviços médicos e hospitalares com planos de saúde, pouco
importará a redação da cláusula ou mesmo se houve a expressa exclusão do dever de
efetuar o pagamento se as contas não forem apresentadas no prazo. É necessário
que se tenha em mente a natureza do direito (subjetivo e, portanto, prescritível),
evitando que se burle as normas de ordem pública trazidas pela codificação aplicável.
Se houver autorização prévia por parte do plano de saúde, a negativa
de pagamento configura violação ao Princípio da Boa-Fé Objetiva e seus deveres
anexos, principalmente o dever de “non venire contra factum proprium”. E a prévia
prestação do serviço (autorizado) configura adimplemento substancial da obrigação,
de modo que não pode ser utilizada a exceção do contrato não cumprido para negar o
pagamento.
Eventual não observância do prazo previsto em contrato pode, no
máximo, afastar a mora do plano de saúde. Não pode, entretanto, afastar o direito do
prestador de serviços de receber os valores pelos serviços efetivamente autorizados e
prestados, obviamente após o procedimento de auditoria e, se for o caso, glosa e seus
recursos.
Portanto, conclui-se que é possível exigir que os planos de saúde
analisem normalmente as contas hospitalares apresentadas fora do prazo previsto em
contrato, estando sujeito o seu pagamento à glosa exclusivamente técnica.
RAFAEL MIELE – Sócio da Carpena Advogados