Sob a relatoria da Ministra Maria Isabel Galloti, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça julgou recentemente o Recurso Especial interposto em Ação Civil Pública promovida pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul contra instituição financeira que atua no segmento de concessão de crédito pessoal (REsp 1.821.182-RS).
O Ministério Público sustentou, na ação, a abusividade da taxa de juros praticada pela financeira, e pediu a aplicação da taxa média divulgada mensalmente pelo Banco Central para todos os contratos de empréstimo pessoal que foram ou viessem a ser pactuados entre a financeira e os seus clientes, bem como a restituição em dobro dos valores descontados dos consumidores e a indenização dos danos morais coletivos.
Os pedidos foram parcialmente acolhidos em primeiro grau, tendo a decisão sido confirmada posteriormente pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Com isso, houve a interposição de recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça pela instituição financeira, que sustentou a inadequação da via eleita pelo Ministério Público para limitação dos juros praticados e, no mérito, a impossibilidade de fixação de uma taxa de juros genérica a todos os contratos de empréstimo firmados pela instituição no território nacional.
A tese apresentada pela instituição financeira foi acolhida e a ação civil pública foi extinta. Destacam-se alguns pontos referentes à limitação da taxa de juros remuneratórios merecem especial destaque:
Excepcionalidade da revisão contratual
No voto proferido, a Ministra Maria Isabel Galloti reafirmou a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, estabelecida no REsp n. 1.061.530/RS, de que “é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, § 1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto”. O entendimento está em consonância com o disposto no art. 421-A, III, do Código Civil.
A relatora salientou que as sentenças de revisão proferidas pelo Poder Judiciário não se atentam para as “circunstâncias da causa” indicadas na orientação jurisprudencial firmada no REsp 1.061.530/RS, destacando que, na maioria dos casos, as decisões judiciais tão somente analisam a questão de se a taxa de juros pactuada no contrato é superior à taxa média do BACEN para operações similares ou ao limite adotado pelo Tribunal, revisando-as sem o critério da peculiaridade do caso em julgamento.
Foi destacado que a alteração da taxa de juros remuneratórios pactuadas em contratos bancários depende da demonstração cabal do abuso, o qual deve ser apurado pelo juiz em face do caso concreto, tendo em conta a situação da economia na época da contratação, o custo da captação dos recursos pela instituição financeira credora, e sobretudo o risco envolvido na operação, considerando o histórico de crédito do devedor, o relacionamento mantido com o banco, as garantias da operação, entre outras individualidades.
Desvinculação da revisão contratual à taxa média divulgada pelo BACEN
Um ponto relevante da decisão foi o entendimento de que a taxa média divulgada pelo Banco Central deve ser analisada tão somente como um referencial, não como uma limitação máxima do percentual da taxa trabalhada pela instituição. A Ministra destacou que a taxa média do BACEN incorpora as maiores e as menores taxas praticadas pelas instituições - razão pela qual é a média - não podendo ser utilizada como uma "taxa limite".
A limitação do percentual dos juros remuneratórios nas decisões proferidas pelo Poder Judiciário, ao utilizar como base a taxa média divulgada pelo Banco Central, desencadeou um “tabelamento” das taxas máximas que podem ser praticadas pelas instituições, ferindo o princípio da livre concorrência ao desconsiderar os aspectos da relação contratual firmada e os riscos da operação.
Isso porque instituições financeiras possuem carteiras de serviços diferentes para cada perfil de cliente, em especial considerando o rating de crédito do consumidor. Sendo assim, as instituições financeiras que possuem como público-alvo clientes com alto risco de inadimplência, concedem crédito à taxas superiores à média de mercado, ocorrendo o inverso em instituições com público-alvo de consumidores de baixo risco de inadimplemento. Por consequência, as operações de crédito efetuadas em circunstâncias fáticas diferentes não podem ser tratadas de maneira idêntica, sob pena de desestimular a concessão de crédito por parte das instituições que atuam no mercado de alto risco (concessão de crédito).
Possíveis novos indicadores para revisão contratual
Como critério balizador para aferição de abusividade contratual, a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça especificou a necessidade de configuração de lucro excessivo da instituição na operação de crédito, que deve ser comprovado caso a caso, observando as peculiaridades da situação, entre elas o perfil do cliente, garantias ofertadas e perfil de crédito do tomador.
É necessário analisar, ainda, de acordo com a decisão, todas as circunstâncias que permeiam a contratação, situação que não vem sendo observada pelo Poder Judiciário, considerando que grande parte das ações revisionais, em especial de contratos de empréstimo, são julgadas de forma automática, determinando a revisão de contratos que possuam juros remuneratórios superiores à taxa média do BACEN.
É esperado que, com a consolidação do entendimento adotado nessa decisão, a orientação jurisprudencial firmada no REsp n. 1.061.530/RS seja revista sob uma nova ótica, afastando a aplicação de critérios exclusivamente objetivos - como a utilização das tabelas de taxa de juros do BACEN -, a fim de as novas decisões judiciais estarem lastreadas na especificidade do conjunto fático-probatório de cada caso.