Homologação de plano de recuperação judicial não exige apresentação de CND, mas a união tem interesse em manifestar-se a respeito

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça manifestou-se sobre duas questões muito importantes sobre a relação entre a Fazenda Nacional

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Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça manifestou-se sobre duas questões muito importantes sobre a relação entre a Fazenda Nacional e as empresas em recuperação judicial. Trata-se dos recursos especiais nº 1.053.883 – RJ e nº 1.187.404 – MT, ambos julgados no mês passado (junho de 2013).

 

No REsp no.1.053.883 – RJ, a Fazenda Nacional buscava reformar a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que havia negado provimento ao seu agravo de instrumento por entendê-la carente de interesse em recorrer da decisão que homologara o plano de recuperação judicial da Varig S.A. (dispensando a apresentação das certidões de regularidade fiscal), sob o fundamento de que os créditos tributários não estão sujeitos à recuperação judicial.

 

Após discorrer acerca da supremacia do princípio da preservação da empresa no novo sistema concursal, em razão do interesse público e coletivo em detrimento dos interesses privados, a Terceira Turma do STJ admitiu o inegável estado de tensão entre o referido princípio e as regras e princípios de Direito Tributário.

 

Esses conflitos emergem a partir de circunstâncias concretas, exigindo da atuação judicial mais do que a aplicação automática de regras, devendo-se ponderar, a partir dos resultados vislumbrados, por sua aplicação ou afastamento excepcional.

 

No caso concreto, a recuperação judicial havia sido deferida sem exigir a apresentação das certidões de regularidade fiscal e a execução fiscal, embora em curso, não se encontra garantida por penhora.

 

Acompanhando o entendimento esposado pelo TJ-RJ, a Terceira Turma do STJ também se manifestou no sentido de que a recuperação judicial e a via executiva fiscal deveriam seguir paralelas, de modo que uma jamais interferiria na outra. Contudo, diferentemente da corte local, considerou que as circunstâncias concretas impõem o contato e a interferência mútua entre essas duas via. Logo, a Corte Superior entendeu que algumas regras devem ser temporariamente afastadas para admitir o interesse da União dada a interferência da recuperação judicial no seu direito de crédito.

 

Para tanto, a Terceira Turma do STJ considerou que aquela Corte Superior já havia se manifestado anteriormente no caso concreto, determinando a suspensão indireta do processo executivo fiscal, em decorrência da negativa de transferência de valores para garantia do juízo, com vistas à viabilização do plano de recuperação aprovado e homologado judicialmente (REsp nº 1.166.600/RJ). Com isso, o órgão julgador entendeu que houve  reflexo, ainda que indiretamente, no direito de crédito da União.

 

Apesar de a Lei de Falências (Lei nº 11.101, de 2005) excluir os créditos tributários da recuperação judicial, em razão de especificidades do caso em julgamento, os ministros do STJ entenderam que  há interesse da União e direito desta ao conhecimento de suas razões de impugnação do plano de recuperação. Foi a primeira vez que a Corte analisou a questão.

 

Os ministros ressaltaram, porém, que o reconhecimento do interesse de atuação no processo, ou seja, o direito de ser ouvida, não garante à Fazenda o direito  de rejeitar, impor condições ou impedir a homologação do plano de recuperação, mas tão somente de ver seus argumentos considerados no momento desta importante decisão.

 

O julgamento de deu de maneira unânime. Embora tenha sido adiado com o pedido de vista do ministro Sidnei Beneti, este seguiu o entendimento da relatora, ministra Nancy Andrighi. Os ministros João Otávio de Noronha e Paulo Sanseverino também concordaram com a orientação.

 

A decisão inédita da Corte Superior provoca discussões acerca de uma possível relativização da Lei nº 11.101, de 2005, quanto à amplitude do conceito de exclusão dos créditos tributários da recuperação judicial e da (des)necessidade de apresentação das certidões de regularidade fiscal. Contudo, deve-se observar que a decisão baseou-se em circunstâncias concretas específicas do caso julgado (execução fiscal suspensa sem garantia do juízo). Logo, sua aplicação é restritiva.

 

Apesar disso, não há como negar que a decisão da Corte representa uma vitória da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), para quem o cerceamento de sua interferência na recuperação judicial representava uma redução das chances de recuperar impostos e tributos devidos.

 

Em última análise, resta a conclusão de que a decisão inédita da Terceira Turma do STJ, quando menos, atribui ainda mais responsabilidades ao julgador no momento da homologação do plano de recuperação. Com efeito, é ele que deverá ouvir todos os interessados e sopesar os princípios envolvidos na recuperação da empresa em crise.

 

Segundo o acórdão em comento, o juízo competente não é mero chancelador de decisões dos credores. Ao contrário, sua atuação deve ser efetiva, prevenindo desequilíbrios decorrentes do poderio econômico envolvido.

 

Alguns dias depois do julgamento acima relatado, a Corte Especial julgou o REsp nº 1.187.404 – MT, mantendo o entendimento de que a homologação de plano de recuperação judicial não exige certidão tributária negativa, pois qualquer interpretação que inviabilize ou não fomente a superação da crise da empresa em recuperação judicial contraria a lei.

 

O respectivo acórdão ainda não foi publicado. Contudo, segundo notícia veiculada no site do próprio STJ em 26/06/2013, o ministro Luis Felipe Salomão referiu que a lei precisa ser interpretada sempre com vista à preservação da atividade econômica da empresa e não com amesquinhada visão de que o instituto visa a proteger os interesses do empresário.

 

O valor primordial a ser protegido é a ordem econômica, afirmou. Em alguns casos, é exatamente o interesse individual do empresário que é sacrificado, em deferência à preservação da empresa como unidade econômica de inegável utilidade social, completou o relator.

 

O Ministro Relator ainda acrescentou que a interpretação literal do artigo 57 da Lei de Recuperação e Falências (LRF) – que exige as certidões – em conjunto com o artigo 191-A do Código Tributário Nacional (CTN) – que exige a quitação integral do débito para concessão da recuperação – inviabiliza toda e qualquer recuperação judicial, e conduz ao sepultamento por completo do novo instituto. Ao fazer tal afirmação, o Ministro considerou que, em regra, com a forte carga de tributos que caracteriza o modelo econômico brasileiro, é de se presumir que a empresa em crise possua elevado passivo tributário. Desta forma, conclui que a exigência de regularidade fiscal impede a recuperação judicial, o que não satisfaria os interesses nem da empresa, nem dos credores, incluindo o fisco e os trabalhadores.

 

A Corte fez menção, ainda, à alternativa de parcelamento da dívida tributária pela empresa em recuperação, permitindo, com isso, a suspensão da exigibilidade do crédito, o que garante a emissão de certidões positivas com efeito de negativas e o cumprimento do artigo 57 da LRF.

 

Por fim, o Ministro Salomão ressaltou que os artigos da LRF e do CTN apontados devem ser interpretados à luz das novas diretrizes traçadas pelo legislador para as dívidas tributárias, com vistas, notadamente, à previsão legal de parcelamento do crédito tributário em benefício da empresa em recuperação, que é causa de suspensão da exigibilidade do tributo.

 

Algumas conclusões podem ser extraídas dos dois julgados destacados: 1) em casos excepcionais, há interesse da União em sustentar a imprescindibilidade da juntada de certidões de regularidade tributária para homologação do Plano de Recuperação Judicial; 2) por consequência, reveste-se de maior importância a atuação do julgador no momento da homologação do plano de recuperação, tendo m vista a necessidade de sopesar os princípios e regras envolvidos na recuperação da empresa em crise, agora com a possível inclusão da União; 3) a homologação de plano de recuperação judicial não exige certidão tributária negativa e 4) a Corte Superior considera de suma importância a atuação judicial que analise, interprete e tempere as regras jurídicas previstas em tese para as empresas em recuperação judicial (Lei nº 11.101/05).