Por Danielle Bertagnolli
Em 20 de dezembro de 2023 foi promulgada a Emenda Constitucional n. 132/2023, instituindo a reforma tributária no Brasil. O cerne da reforma tributária diz respeito à instituição, no Brasil, da tributação sobre o valor agregado, aqui instrumentalizada por meio do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e pela Contribuição social sobre Bens e Serviços (CBS). Dentre seus artigos, a Emenda Constitucional n. 132/2023 previu um regime específico de tributação para os serviços financeiros, dentre os quais se inclui a administração de consórcios, a ser definido em lei complementar. Assim, em 25 de abril de 2024 foi protocolado no Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar (PLP) n. 68/2024, cujos artigos 187 a 189 tratam do regime tributário específico das administradoras de consórcios.
A administração de consórcios encontra previsão legal na Lei n. 11.795/2008, cujo artigo 2º define o consórcio como “a reunião de pessoas naturais e jurídicas em grupo, com prazo de duração e número de cotas previamente determinados, promovida por administradora de consórcios, com a finalidade de propiciar a seus integrantes, de forma isonômica, a aquisição de bens ou serviços, por meio de autofinanciamento”.
No caso das administradoras de consórcios, cujos serviços são remunerados por meio de taxa de administração, tal como dispõe o artigo 5º, § 3º, da Lei n. 11.795/2008, a base de cálculo do IBS e da CBS será composta pelas receitas dos serviços, compreendendo “todas as tarifas, comissões e taxas exigidas em decorrência de contrato de participação em grupo de consórcio”, nos termos do artigo 187 do PLP n. 68/2024.
Embora o teor do mencionado artigo 187 do PLP n. 68/2024 não deixe isto claro, é preciso destacar que somente o valor equivalente à remuneração da administradora de consórcios é que poderá ser objeto de tributação pela CBS e pelo IBS, e não o valor total que ingressa no seu caixa. Em outras palavras, a tributação sobre bens e serviços não poderá atingir o montante que o consorciado paga a título de sua participação no grupo de consórcios, isto é, sua parcela na futura aquisição dos bens.
O ponto mais importante em relação à tributação das administradoras de consórcios, contudo, diz respeito à adoção do princípio do destino. Com efeito, o artigo 156-A, § 1º, inciso VI, e § 4º, inciso II, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 132/2023, consolidou a adoção do princípio do destino para a definição do local da incidência do IBS e da CBS. Entretanto, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 5.835 o Supremo Tribunal Federal já enfrentou a questão da tributação das administradoras de consórcios no local do domicílio do tomador, julgando-a inconstitucional.
Com efeito, a Lei Complementar n. 157/2016, em seu artigo 1º, inciso XXIV, alterou o local de recolhimento do tributo para o domicílio do tomador do serviço. A alteração promovida pela Lei Complementar n. 157/2016 trouxe muitas incertezas, que ensejaram a propositura de ADI n. 5.835, objetivando a declaração de invalidade do art. 1º, da Lei Complementar n. 157/2016, na parte em que alterou os artigos 3º, incisos XXIII, XXIV, XXV e 6º, parágrafos 3º e 4º da LC n. 116/2003.
Em 23 de setembro de 2020 foi editada a Lei Complementar n. 175, que trouxe novas alterações à referida Lei Complementar n. 116/2003, para dispor não apenas sobre obrigações acessórias, como também sobre o local de recolhimento do tributo. Além disso, especificamente quanto ao sujeito passivo no serviço de administração de grupo de consórcio, a Lei Complementar n. 175/2020 deu nova redação ao artigo 3º da LC n. 116/2003, definindo que o tomador do serviço é o consorciado. Ou seja, enquanto a Lei Complementar n. 157/2016 havia promovido alteração no artigo 3º para determinar que o imposto é devido ao Município do tomador, a Lei Complementar n. 175/2020 determina quem é, afinal, o tomador dos serviços prestados pelas administradoras de consórcios.
As Leis Complementares n. 157/2016 e 175/2020, contudo, foram declaradas parcialmente inconstitucionais no âmbito da ADI n. 5.835, cuja decisão declarou “a inconstitucionalidade do art. 1º da Lei Complementar 157/2016 e do art. 14 da Lei Complementar 175/2020, bem como, por arrastamento, dos artigos 2º, 3º, 6º, 9º, 10 e 13 da Lei Complementar 175/2020”. Assim, com o reconhecimento da inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei Complementar n. 157/2016, passou a não mais de aplicar a alteração do critério espacial do ISSQN, que havia sido promovida por tal artigo.
Veja-se que, até o advento da Lei Complementar n. 157/2016 não havia qualquer discussão acerca do local para recolhimento do ISSQN, sendo este no local da sede da prestadora de serviços, no caso a administradora de consórcios. Com a Lei Complementar n. 157/2016, sobreveio alteração do local de recolhimento para o domicílio do tomador do serviço e, com a Lei Complementar n. 175/2020, esclareceu-se que o tomador dos serviços é o consorciado. Todavia, com o julgamento pela inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei Complementar n. 157/2016, deixando ela de fazer parte do sistema jurídico brasileiro, o Município competente para a cobrança do ISSQN voltou a ser o do local da sede da prestadora.
O histórico das alterações legislativas e da ADI n. 5.835 é precioso para demonstrar que a tentativa de adoção do princípio do destino para as administradoras de consórcios já resultou em graves litígios e insegurança jurídica, pois durante o trâmite da ação constitucional muitos contribuintes ficaram sem saber para onde deveriam recolher o tributo.
Em relação ao IBS, espera-se que o Comitê Gestor seja capaz e suficiente para o direcionamento da arrecadação aos entes competentes, sem a necessidade de o contribuinte emitir incontáveis declarações fiscais e guias de recolhimento. Contudo, a experiência recente serve para alertar sobre os problemas que poderão surgir - é um ponto de atenção que deverá ser observado.
A Carpena Advogados está à disposição para sanar quaisquer dúvidas sobre o assunto.
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