Fundos de investimentos se voltam ao setor, passando a oferecer modalidade que inclui crédito a empresas afetadas por possível avanço da doença
Enquanto o risco de a gripe aviária chegar aos plantéis comerciais se eleva, os mercados começam a se movimentar, preparando-se para possíveis efeitos do vírus na produção. Estudos indicam que o impacto, em caso extremo, tende a ser bilionário considerando não só a origem do produto, que é o setor avícola, mas toda a cadeia que a proteína animal envolve, do transporte ao consumo.
Uma das antecipações a esse risco vem do mercado de capitais. Fundos de private equity que procuram investimento em participações societárias de companhias do setor estão buscando oferecer crédito em vez de realizar aportes de capital com a previsão de que, com o avanço da doença, elas precisem de caixa para passar pela crise.
O private equity é um tipo de investimento em que se fazem aportes privados em empresas com potencial de crescimento, financiando as suas operações em troca de uma fatia da companhia ou mesmo prospectando uma posterior venda da empresa.
Márcio Carpena, sócio do escritório Carpena Advogados, que tem como clientes fundos de private equity que estruturam investimentos no setor avícola, explica que a remodelagem do investimento dá alternativas ao produtor. Ele diz que o capital aportado seria uma espécie de capital-ponte para ultrapassar o cenário de crise, que se converteria em participação a critério do fundo.
— Basicamente, a empresa emite uma dívida, uma debênture, e esse título passa a ser conversível em participação, que fica a critério do credor. É um modelo protetivo para os dois lados — diz Carpena.
A preocupação é ante ao cenário que se avizinha. A gripe aviária ainda não foi registrada em aves comerciais brasileiras, o que não altera o status do país para comercialização. Os casos até agora, em maior parte, são em aves silvestres. Ainda assim, as ocorrências já levam a suspensões comerciais, como do Japão, que interrompeu as compras de aves e produtos avícolas do Espírito Santo e de Santa Catarina após registros domésticos nesses dois Estados.
Uma comitiva do Ministério da Agricultura, com a presença do ministro Carlos Fávero e entidades do setor, viajou ao país asiático na semana passada para tentar reverter o embargo e evitar outras suspensões em efeito cascata. O argumento era de que a própria Organização Mundial de Saúde Animal recomenda a suspensão da exportação somente quando a doença atinge os plantéis comerciais. A missão surtiu efeito e o país limitou as restrições apenas às cidades onde foram detectados os focos.
Conforme o advogado, as remodelagens dos fundos em questão são viabilizadas por contratos de investimento ou memorandos de entendimento, que dizem que na ocorrência de alguns eventos, como, por exemplo, a gripe aviária, o produtor pode acessar uma quantia estabelecida de recurso em determinado período de tempo, que será devolvido nas condições acertadas. Na opção do credor, o aporte pode ser devolvido em participação definida.
— Sabemos que a gripe aviária está nas aves silvestres e em algumas domésticas. Se chegar às aves comerciais, logicamente terá um impacto muito grande, com abatimentos e perda da produção. Depois disso, ainda terá um período de quarentena. Será um momento delicado, de quebra de produção, de giro de ciclo, para empresas que geralmente já têm pouco capital de giro — afirma Carpena.
O economista Antônio da Luz, que também chefia a área econômica da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), lembra que o mercado de capitais já é determinante para o financiamento da agricultura brasileira nos dias de hoje. Mas vê o “socorro” com cautela. No caso de um eventual alastramento da doença, da Luz analisa que a crise travaria financiamentos de maneira geral, seja por bancos ou pelo mercado de capitais.
— Num eventual cenário de foco de gripe aviária, todo mundo vai recuar. Os próprios empresários do setor vão recuar e tirar o pé dos seus investimentos — diz da Luz.
O economista também lembra que o setor da proteína animal, juntamente com os órgãos públicos de defesa e sanidade, vem trabalhando minuciosamente para que a doença se mantenha longe das produções comerciais.
Na semana passada, o Rio Grande do Sul acatou a recomendação do Ministério da Agricultura e decretou emergência zoossanitária para gripe aviária. O mesmo decreto já vigia nacionalmente desde 22 de maio, quando os primeiros registros da doença foram confirmados. A recomendação pelos decretos individuais de cada Estado afetado ocorre para acelerar o acesso a recursos, caso necessário.
A preocupação é do tamanho da relevância econômica do setor. Conforme da Luz, o segmento de abates é responsável pelo principal faturamento da indústria no Rio Grande do Sul.
Em 2021, o faturamento total da indústria de abates foi de R$ 35,8 bilhões no Estado, segundo pesquisa do IBGE. No Brasil todo, chegou a R$ 318,3 bilhões. Um eventual avanço do vírus, portanto, teria desdobramento industrial bastante significativo tanto no Estado quanto no país.
Até esta segunda-feira (31), o Brasil somava 74 focos da doença, de acordo com painel do Ministério da Agricultura atualizado diariamente. São 72 casos em aves silvestres e dois em criações de subsistência.
Fonte: https://gauchazh.clicrbs.com.br/economia/noticia/2023/07/temor-por-impacto-bilionario-da-gripe-aviaria-na-producao-leva-a-alternativas-no-mercado-de-capitais-clkr8i1g700430154r9pv4pza.html