A interrupção da prescrição da pretensão individual pela citação válida em ação coletiva

O regime da prescrição nas ações coletivas é tema problemático, pois, muito embora extremamente relevante, não é

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O regime da prescrição nas ações coletivas é tema problemático, pois, muito embora extremamente relevante, não é disciplinado de forma suficiente e completa pela legislação atual, havendo questões ainda latentes. Uma delas, especificamente quanto à tutela de direitos individuais homogêneos, é saber se a citação válida operada em ação coletiva interrompe a prescrição da pretensão individual dos substituídos.

 

A proteção coletiva de interesses individuais homogêneos possibilita a reunião de pretensões independentes entre si, que poderiam ser buscadas separadamente. A solução via tutela coletiva é incentivada, haja vista a busca pela otimização da prestação jurisdicional e pela viabilização do tratamento uniforme das causas de origem comum [1]. Surge, então, a dúvida quanto ao que ocorre com o prazo prescricional das pretensões individuais, desde o ajuizamento da ação civil pública até o trânsito em julgado de sua decisão final. Ele permanece em curso normal ou é interrompido pela citação válida na ação coletiva?

 

Em uma primeira hipótese, pode-se defender que a prescrição, ligada intrinsecamente à postura do titular do direito subjetivo, não poderia ser interrompida pela atuação de um terceiro exercida de forma independente, sendo abarcadas a ação individual e a coletiva por prazos prescricionais diferentes [2]. Por outro lado, como contraponto, a compreensão pela continuidade do curso do prazo prescricional, como alguns autores apontam [3], não parece coerente em relação ao atual sistema, pois compeliria os substituídos, no receio da prescrição de sua pretensão, ao ajuizamento individual de suas demandas, destoando das finalidades do processo coletivo (a otimização da prestação jurisdicional e o tratamento uniforme).

 

Ora, o sujeito substituído, como aponta a Min. Laurita Vaz em seu voto proferido no agravo regimental em recurso especial n. 1.143.254/PR, é desencorajado tanto a integrar a ação civil pública como litisconsorte (uma vez que assim teria o risco de estar sujeito aos efeitos da sentença de improcedência) quanto a prosseguir em sua demanda individual (pois haveria o risco de não poder se beneficiar da eventual sentença de procedência) e, assim, nas palavras da julgadora, “É de se concluir que o sistema jurídico caminha na direção de que o Substituído, titular do direito individual, permaneça inerte até o desfecho da demanda coletiva, quando avaliará a necessidade do ajuizamento da ação individual”. Nessa esteira, não parece razoável a ausência de efeitos interruptivos e permaneça em curso o prazo prescricional da pretensão individual, enquanto tramita a ação coletiva. A inércia do interessado não transmite a sua desídia ou mesmo a consolidação da relação jurídica, mas sim o seu interesse em obter a eventual satisfação de sua pretensão (que permanece latente) pela via coletiva, o que é, como acima referido, estimulado pelo atual sistema.

 

Defendendo a ocorrência da interrupção do prazo prescricional e a suspensão deste enquanto pendente a ação coletiva, Sérgio Cruz Arenhart, em seu texto “O Regime da Prescrição em Ações Coletivas”, acrescenta que,

 

“[E]m relação aos titulares de direito individual que não propuseram ação própria para demandar seus interesses, pode-se reconhecer um regime especial de ‘suspensão de pretensão’. Afinal, sua pretensão está sendo exercida na ação coletiva, pelo legitimado extraordinário, (...). Essa ‘condicionalidade’ a que está sujeita a pretensão individual faz com que, ao menos até o julgamento (final) da ação coletiva, tal pretensão se mantenha em estado latente, no aguardo da manifestação judicial. Apenas se recusada a tutela no plano coletivo, é que haverá novamente o interesse do indivíduo em buscar, por demanda própria, a satisfação de sua pretensão. Isso implica a necessária suspensão do prazo prescricional, para estes interesses, na pendência da ação coletiva.”

 

Essa posição é que a foi adotada no julgamento da apelação n. 2009.71.07.000493-2 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, bem como do agravo regimental no recurso especial n. 1.143.254/PR, admitindo-se a interrupção da prescrição da pretensão individual pela citação válida na ação coletiva.

 

Atenta-se, por fim, para o fato de que o projeto de lei n. 5.139/2009 que trata da ação civil pública (ainda em tramite perante a Câmara de Deputados) prevê expressamente a interrupção da prescrição da pretensão individual pela citação válida na ação coletiva em seu art. 15 - “Art. 15. A citação válida nas ações coletivas interrompe o prazo de prescrição das pretensões individuais direta ou indiretamente relacionadas com a controvérsia, desde a distribuição até o final do processo coletivo, ainda que haja extinção do processo sem resolução do mérito”. Tal circunstância reforça a posição de admitir a interrupção da prescrição no atual sistema.

 

Assim, muito embora a atual ausência de regra expressa nesse sentido, a interrupção do prazo prescricional da pretensão individual pela ação coletiva mostra-se como a solução mais coerente com a atual sistemática da tutela coletiva.

 

Notas:


[1] Como ensinam Fredie Didier Jr. E Hermes Zaneti Jr., “O Código de Defesa do Consumidor conceitua laconicamente os direitos individuais homogêneos como aqueles decorrentes de origem comum, ou seja, os direitos nascidos em consequência da própria lesão, ou, mais raramente, ameaça de lesão, em que a relação jurídica entre as partes é post factum (fato lesivo). Não é necessário, contudo, que o fato se dê em um só lugar ou momento histórico, mas que dele decorra a homogeneidade entre os indivíduos dos diversos titulares de pretensões individuais” (DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR. Hermes. Curso de Direito Processual Civil: Processo Coletivo, vol. 4, 8ª ed., Salvador: Jus Podivm, 2013. p. 80).

[2] A título de ilustração, menciona-se o seguinte julgado, no qual foi considerada impossibilidade da interrupção da prescrição da pretensão individual pela citação válida na ação coletiva:

RECURSO INOMINADO. COBRANÇA. EXPURGOS DA CADERNETA DE POUPANÇA. AÇÃO INDIVIDUAL. PRAZO PRESCRICIONAL VINTENÁRIO. INVIABILIDADE DE INTERRUPÇÃO DO PRAZO PELA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRECEDENTES. PRETENSÃO PRESCRITA. EXTINÇÃO DO FEITO, COM JULGAMENTO DO MÉRITO, ART. 269, IV, DO CPC. Conforme a jurisprudência pacífica da Segunda Seção do STJ, a prescrição nas ações civis públicas ajuizadas para a cobrança de expurgos inflacionários em depósitos em cadernetas de poupança é quinquenal, ao contrário das ações individuais, que era vintenário na vigência do Código Civil revogado - dez anos pelo novo Código Civil. Justo por isso o poupador que não ajuizou a ação individual no prazo vintenário não se pode beneficiar da interrupção da prescrição operada na ação civil pública, uma vez que ambas têm prazos prescricionais diversos. No caso, a parte autora ajuizou a ação ordinária apenas no ano de 2010, quando já transcorrido o prazo prescricional vintenário. RECURSO PROVIDO. UNÂNIME. (Recurso Cível Nº 71002953131, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator: Pedro Luiz Pozza, Julgado em 30/01/2014).

[3] Nesse sentido é o posicionamento de Fredie Didier Jr., Hermes Zaneti Jr., Sérgio Cruz Arenhart e Ricardo de Barros Leonel.

 

Referências:


ARENHART, Sérgio Cruz. O regime da prescrição em ações coletivas. Processos Coletivos, Porto Alegre, vol. 1, n. 3, 05 abr. 2010.
BRASIL. Projeto de lei n. 5.139/2009. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=651669&filename=PL+5139/2009>.
CAHALI, Yussef Said. Prescrição e decadência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR. Hermes. Curso de Direito Processual Civil: Processo Coletivo, vol. 4, 8ª ed., Salvador: Jus Podivm, 2013.
LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo, 2ª ed, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
Superior Tribunal de Justiça, 5ª Turma. AgRg no REsp n. 1.143.254/PR. Min. Relatora Laurita Vaz. Julgado em 02/02/2012.
Tribunal Regional Federal da 4ª Região, 3ª Turma. Apelação Cível n. 2009.71.07.000493-2. Des. Relator Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz. Julgado em 09/02/2010.