É inegável que boas práticas nas relações empresariais são cada vez mais importantes. E quando envolvem serviços públicos (direta ou indiretamente) tornam-se ainda mais pertinentes. Nesse contexto, vigora no Brasil, desde 29 de fevereiro de 2014, a Lei Anticorrupção (Lei n. 12.846), também conhecida como a norma que faz referência à compliance, na medida em que indica a necessidade das pessoas jurídicas que se relacionam com o serviço público observarem e instituírem programas de boas práticas em todas as suas relações.
Muitas empresas brasileiras que negociavam (vendiam, compravam ou intermediavam) com empresas estrangeiras – as quais se submetiam nos seus países de origem as leis de responsabilização por práticas desleais ou ilícitas em suas relações – já se viam obrigadas a instituir programas de investigação e auditoria (due diligence) voltados às práticas nos seus negócios, a fim de se tornarem cada vez mais idôneas.
Da mesma forma, sucursais brasileiras de empresas estrangeiras já estavam familiarizadas com esses programas, em razão de existir, nos países de origem, a responsabilização e punição de tais empresas por negócios dissimulados, fraudulentos ou corruptos de seus funcionários, com multas significativas ou outras punições extrajudiciais relevantes.
Com a Lei Anticorrupção, criou-se mais um mecanismo administrativo de controle das relações público-privadas, com o objetivo de desestimular e punir atos de corrupção, ou seja, práticas privadas que atinjam diretamente atividades públicas. Essa lei prevê a responsabilidade objetiva da sociedade empresária, personificada ou não, independentemente de sua organização ou modelo societário. A responsabilidade é administrativa e civil, de empresas brasileiras (por atos praticados no Brasil ou no exterior) ou estrangeiras com sede ou filial no Brasil (por atos praticados em território nacional), por práticas contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira. A lei, por outro lado, não se ocupa dos sócios e gestores, mas, sim, da empresa.
Não é exagero lembrar que, para a responsabilidade objetiva, basta que exista o fato ou a conduta, o resultado e o nexo de causalidade (a teoria do risco), não importando a existência de culpa ou dolo.
A lei define o ato de corrupção e a sua prática pela pessoa jurídica, que pode ser em benefício próprio, entretanto não necessita que essa vantagem seja exclusivamente sua. O ato de corrupção, por sua vez, seria como uma nova categoria de ilícito em que a lei impõe dupla responsabilização (administrativa e judicial), mas suas penas são de categoria administrativa, ainda que algumas sejam somente aplicadas em decorrência de um processo judicial.
Esta lei ainda estipula a desconsideração administrativa da personalidade jurídica e até a dissolução compulsória daquelas pessoas jurídicas criadas para fins ilícitos, bem como suspensão e interrupção de prazos prescricionais, e inscrição em cadastros de empresas punidas (CNEP).
Mas a lei não é só punitiva, pois prevê a valorização dos mecanismos internos de integridade, auditoria, denúncias de irregularidades e aplicação de códigos de ética e de condutas (compliance). A existência dos sistemas de compliance servem, inclusive, para minimizar os efeitos de penas impostas e, dependendo da efetividade do seu método, podem até ser usados como fator de exclusão do nexo de causalidade (por fato exclusivo de terceiro).
Da mesma forma, há a previsão de acordos de leniência, ou seja, ajustes em que a Administração Pública diminui a punição em troca de identificação dos envolvidos, obtenção de informações e documentos que comprovem a(s) infração(ções), cooperações de toda a forma com o processo administrativo (inclusive às expensas da empresa), implementação de compliance e, evidentemente, interrupção da prática ilícita (corrupta). A efetivação do acordo de leniência, por sua vez, impede o ajuizamento, ou o prosseguimento de ações judiciais sobre o mesmo fato, ou até mesmo a abertura, ou continuidade, de processos administrativos referentes a licitações e contratos (desde que versem sobre o mesmo objeto).
Fato é que a preparação e a implementação de programas de ética empresarial, com a introdução de regramentos e condutas negociais adequadas, controles internos e fiscalização das redes de relacionamentos de forma permanente, significam não só uma atitude moderna da empresa, mas também a existência de importantes mecanismos de minimização de riscos. E, em última análise, a prova de sua precaução.