A proteção de cultivares – as variedades de qualquer gênero ou espécie vegetal superior que sejam claramente distinguíveis por um conjunto mínimo de características morfológicas, fisiológicas, bioquímicas ou moleculares herdadas geneticamente – nasceu da necessidade do Brasil em se adequar aos compromissos firmados em virtude do seu ingresso na Organização Mundial do Comércio – organismo internacional que sucedeu o antigo GATT [1].
Com efeito, por ocasião da entrada em vigor do Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994, que promulgou a "Ata Final que Incorpora os Resultados das Negociações Comerciais Multilaterais da Rodada Uruguai do GATT", o Brasil deu início a uma série de reformas e criações legislativas para entrar em conformidade àquilo que fora firmado no Acordo Constitutivo da OMC, especialmente o seu Anexo 1C - Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio - ou Acordo TRIPs.
Estabeleceu-se, naquele acordo, uma série de medidas mínimas protetivas à propriedade intelectual que deveriam ser adotadas por seus signatários. A maioria dessas medidas está contida em nossa atual Lei da Propriedade Industrial - Lei nº 9.279/96, que confere proteção às patentes, aos desenhos industriais e às marcas.
Quanto às cultivares, o Acordo TRIPs prevê proteção obrigatória, mas possibilitou aos países signatários escolher entre duas maneiras de efetivação: através de seu sistema de patentes ou através de um sistema próprio.
O Brasil escolheu adotar um sistema sui generis, exclusivo para a proteção de cultivares, o que resultou na edição da Lei nº 9.456, de 25 de abril de 1997, posteriormente regulamentada pelo Decreto nº 2.366, de 5 de novembro de 1997, responsável pela criação dos órgãos necessários à operacionalização do Serviço Nacional de Proteção de Cultivares – SNPC. Os referidos diplomas permanecem sem alterações legislativas até os dias de hoje.
Reforçando sua intenção de aderir às melhores práticas internacionais em relação às obtenções vegetais, o Brasil aderiu, em 1999, à UPOV – União Internacional para a Proteção das Obtenções Vegetais. Essa adesão garante a reciprocidade automática entre nosso país e os demais países-membros daquela organização, garantindo a proteção de cultivares brasileiros em uma série de nações estrangeiras, ao mesmo tempo em que igualmente garante a proteção nacional das variedades oriundas daqueles países.
A proteção de cultivares garante ao titular da variedade vegetal o direito de exclusiva, ou seja, são vedados a terceiros a produção com fins comerciais, o oferecimento à venda ou a comercialização da cultivar sem sua autorização. Além disso, é garantido expressamente o direito à reprodução comercial em território brasileiro, propiciando à cultivar um grau maior de proteção do que aquele conferido às patentes.
A obtenção de cultivares pode ser feita tanto através de melhoramento genético clássico (utilizando-se de técnicas como seleção e cruzamento) quanto através da transgenia, desde que sejam preenchidos os requisitos legais para que uma espécie vegetal possa ser reconhecida como cultivar – nova ou essencialmente derivada.
O período de proteção de uma cultivar é de dezoito anos para videiras, árvores frutíferas, árvores florestais e árvores ornamentais (inclusive, em cada caso, o seu porta-enxerto), e de quinze anos para as demais variedades.
Atualmente, o SNPC conta com 1.947 cultivares para as quais já foi concedida proteção provisória ou definitiva. O setor público é titular de parcela significativa desse número, contando com players como a EMBRAPA, as universidades e as fundações/empresas estaduais de pesquisa e desenvolvimento agrícola. Soja e cana-de-açúcar são os gêneros líderes em número de cultivares protegidas, mas existem inúmeros gêneros para os quais há pedidos depositados, como flores (hortênsia, orquídea, crisântemo) e frutas (abacaxi, kiwi, pêssego).
No setor privado, a liderança no número de cultivares depositadas no Brasil ainda está em mãos estrangeiras, contando com os nomes de grandes multinacionais líderes no comércio mundial de sementes. A agroindústria brasileira, talvez por desconhecimento ou falta de esclarecimentos quanto ao sistema brasileiro e à legislação aplicável, acaba relegada ao segundo plano.
[1] General Agreement on Tariffs and Trade – Acordo Geral de Tarifas e Comércio