Advocacia preventiva: anúncios publicitários, direito do consumidor e a “inconstância” jurisprudencial

Sob a ótica da advocacia preventiva, a divulgação de produtos e serviços no mercado exige que o anunciante dedique especial atenção

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Sob a ótica da advocacia preventiva, a divulgação de produtos e serviços no mercado exige que o anunciante dedique especial atenção a potenciais ofensas a direitos de terceiros, sejam eles concorrentes, passando por eventuais indivíduos ou grupos específicos vinculados à peça publicitária, até os seus destinatários finais.

 

Delimitando a abordagem ao aspecto informativo dos anúncios, entra em foco a imprescindível atenção ao Código de Defesa do Consumidor.

A Lei n. 8.078/90 (CDC) elenca, dentre os direitos básicos do consumidor, a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem. Também prevê a garantia de proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, proibindo, expressamente, tais práticas [1].

 

Veja-se que, ao exigir que a informação seja adequada e clara, a lei emprega conceitos abertos, utilizando-se de termos passíveis de múltiplas interpretações em cada caso concreto. Não por acaso, muitas vezes, a definição quanto à clareza e à adequação das informações veiculadas sobre determinado produto ou serviço acaba sendo submetida ao Poder Judiciário e uma breve análise de precedentes jurisprudenciais acaba revelando que ainda não se alcançou razoável segurança jurídica na área, encontrando-se diversas decisões com desfechos antagônicos tratando de casos com características semelhantes.

 

Exemplificativamente, em tempos de tolerância ZERO quanto ao consumo de bebidas alcoólicas associado à condução de veículos automotores, ao fim do mês de abril de 2015, os meios de comunicação noticiaram veredicto proferido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), considerando lícito o uso da expressão “SEM ÁLCOOL” associada a cerveja que, na realidade, possui teor alcoólico superior a ZERO  [2] (reformando o julgamento anterior do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul).

 

No entendimento do STJ (por decisão não unânime), o uso publicitário da expressão “SEM ÁLCOOL” para a cerveja em questão estaria em consonância com sua classificação como “bebida não-alcoólica”, nos termos do Decreto 6.871/2009, que, ao regulamentar a Lei n.

8.918/1994, estipulou a classificação de não-alcoólicas para aquelas bebidas com graduação alcoólica até meio por cento em volume, a vinte graus Celsius, de álcool etílico potável  [3]. O posicionamento vencido sustentava que, na prática, tem-se produto com álcool autorizado a ser comercializado sob a rotulagem de “SEM ÁLCOOL”, com afronta à proteção do CDC contra a publicidade enganosa e abusiva.

 

Entretanto, poucos meses antes, em 26/08/2014 [4], e também em 15/03/2011 [5], o mesmo STJ manifestou entendimento diametralmente oposto ao apreciar litígios envolvendo igualmente uma marca de cerveja, que adotara a mesma expressão com relação ao seu produto - “SEM ÁLCOOL” -, escudando-se na concentração inferior a 0,5% em cada volume. Nesses veredictos, o STJ compreendeu que existiria, sim, ofensa aos direitos dos consumidores quanto à informação clara e adequada acerca do produto, já que a associação da expressão “SEM ÁLCOOL” representaria indicação não veraz.

 

Segundo ilustrado acima, nem sempre se mostra de fácil solução o estabelecimento de equilíbrio entre a liberdade de expressão aplicada ao direito de anunciar produtos e serviços e a necessidade de respeito ao dever de veiculação de uma publicidade clara e adequada.

 

Como bem pontua o professor universitário e desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Rizzatto Nunes, a liberdade de criação e de expressão da publicidade está limitada à ética que dá sustentação à lei. Por isso, não só pode oferecer uma opinião (elemento subjetivo) como deve sempre falar e representar a verdade objetiva do produto e do serviço e suas maneiras de uso, consumo, sua limitação e seus riscos para o consumidor etc. Evidentemente, todas as frases, imagens, sons do anúncio publicitário sofrem a mesma limitação [6].

 

Emana, pois, o papel da advocacia preventiva também como importante ferramenta de contribuição à criação publicitária, visando a proporcionar maior segurança a anunciantes de produtos e serviços no objetivo de adequação à legislação e às interpretações jurisprudenciais.

 

[1] Arts. 6º, incisos III e IV, 31 e 37 da Lei n. 8.078/1990.
[2] REsp 1185323/RS
[3] Decreto n. 6.871/2009
Art. 12. As bebidas serão classificadas em:
I - bebida não-alcoólica: é a bebida com graduação alcoólica até meio por cento em volume, a vinte graus Celsius, de álcool etílico potável, a saber:
a) bebida não fermentada não-alcoólica; ou
b) bebida fermentada não-alcoólica;
[4] AgRg nos EDcl no AREsp 259903/SP
[5] REsp 1181066/RS
[6] NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2013, p.558.