Entra em vigor a nova lei anticorrupção (LEI 12.846): o foco são os empresários e suas relações com entes nacionais e internacionais

No último dia 29 (janeiro), entrou em vigor a Lei Federal n. 12.846, de 2013 – que tramitou por mais de três anos no legislativo –, cujo

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No último dia 29 (janeiro), entrou em vigor a Lei Federal n. 12.846, de 2013 – que tramitou por mais de três anos no legislativo –, cujo foco principal é instituir mecanismos para um controle mais rigoroso quanto à prática de atos ilícitos envolvendo pessoas jurídicas (empresárias ou não) e entidades da administração pública, tanto nacionais quanto estrangeiras. A ideia que está por trás da lei é, ao menos em termos oficiais, tentar coibir atos de corrupção envolvendo entes privados e entes públicos. Embora este tipo de lei não seja uma total novidade no Direito brasileiro (a Lei Federal n. 8.429 de 1992 – que trata da improbidade administrativa – já continha inúmeras previsões e possibilidades de responsabilização de pessoas jurídicas privadas em razão da prática de atos ilícitos envolvendo agentes públicos), ela institui alguns mecanismos diferentes das leis anteriores - uma vez que ela dá às autoridades maior amplitude de atuação –, os quais, na medida em que forem sendo utilizados, poderão aumentar o controle de tais espécies de atos.

 

Com a nova lei, os empresários (pessoas jurídicas) deverão procurar adequar (ou readequar, dependendo do caso) suas práticas, condutas e modo de conduzir seus negócios, tanto internas quanto externas, instaurando mecanismos de controle e transparência, para que possam, com isso, respaldar suas atuações no mercado e o exercício de suas atividades. Isso porque, na hipótese de as empresas serem flagradas por estarem envolvidas em alguma espécie de fraude ou atos ilícitos, as próprias pessoas jurídicas – ou suas coligadas, controladas, controladoras e consorciadas –, poderão ser alvos de processos civis e administrativos, dos quais poderá resultar, dentre outras punições, multas em valores que variarão de 0,1% a 20% de seu faturamento anual bruto, sendo que, nas hipóteses em que não for possível aferir a base de cálculo (faturamento), a multa poderá ser estipulada entre R$ 6 mil e R$ 60 milhões (a qual, não sendo paga, será inscrita em dívida ativa para cobrança judicial). Há, ainda, a possibilidade de ser decretado o fechamento da própria empresa (ou suspensão parcial das atividades) e a imposição de obrigação de publicar a decisão que impôs a sanção em jornais e outros meios de divulgação, inclusive na rede mundial de computadores (web), sob sua total e exclusiva responsabilidade financeira. Isso sem contar que o nome da empresa pode ser incluído no chamado “Cadastro Nacional de Empresas Punidas – CNEP”, o que certamente acarretará forte abalo à sua imagem.

 

Um dos aspectos que mais chama a atenção na nova lei, porém, é que a responsabilização poderá ocorrer mesmo sem ter havido comprovação de culpa ou dolo (intenção de fraudar) por parte dos envolvidos (conforme artigo 2º). Para utilizar uma expressão técnica, a responsabilidade será “objetiva”. Uma vez que a prática de algum ato fraudulento chegue ao conhecimento das autoridades (federais, estaduais ou municipais), elas instaurarão processos administrativos, ou judiciais, nos quais serão colhidas provas (documentais, testemunhais e periciais) e, caso a conclusão seja no sentido de que o ato ilícito efetivamente ocorreu, serão aplicadas as sanções (de forma isolada ou cumulada), ainda que não tenha havido intenção de praticar o ato. Neste contexto, as autoridades poderão inclusive desconsiderar a personalidade jurídica das sociedades para atingir os sócios e administradores, ainda que tenha havido alterações contratuais ou outras operações societárias (fusão, cisão ou incorporação etc.). Nesta última hipótese – sócios e administradores –, no entanto, a lei estabelece que a responsabilidade somente existirá se tiver havido culpa.

 

Há, ainda, a previsão, na lei, dos chamados “acordos de leniência” (artigo 16) – que no âmbito do Poder Executivo federal serão realizados pela Controladoria-Geral da União –, por meio dos quais as pessoas consideradas responsáveis pela prática de atos ilícitos ou fraudulentos, ao colaborarem com as investigações e processos administrativos instaurados pelas autoridades, poderão ter suas sanções reduzidas ou até mesmo afastadas. No entanto, se o acordo de leniência não for cumprido, a pessoa jurídica não poderá realizar novo acordo pelo período de três anos.

 

A fim de fazer frente à nova realidade, as empresas precisarão criar e reforçar seus departamentos de compliance e ética empresarial, criando e aprimorando códigos de conduta (escritos), canais de denúncia ou comunicação e organismos institucionais (comitês, por exemplo), uma vez que isso permitirá evitar, ou, quando menos, minimizar as consequências do reconhecimento dos atos de corrupção por parte das autoridades (conforme artigo 7º, inciso VIII). Nesse sentido, as empresas deverão, mais do que nunca, reforçar algumas proibições, tais como pagamentos indevidos a agentes do Estado. Até mesmo a singela entrega de presentes (ainda que em datas comemorativas) poderá representar um ato suspeito e gerador de eventual responsabilidade. Em razão disso, mais do que nunca convém que sejam promovidos constantes treinamentos de seus colaboradores, a fim de que o grau de conscientização aumente e sejam reduzidos os riscos da atividade, pois na hipótese de um processo, o comportamento prévio das empresas será levado em consideração.

 

Muitas são as expectativas e as dúvidas. É relevante salientar, no entanto, que, como qualquer outra lei de natureza semelhante, haverá um período de ajuste durante o qual tanto autoridades quanto entes privados procuração entender como de fato a nova lei será aplicada. Nesse contexto, a experiência estrangeira (EUA e outros países que adotam legislação semelhante) será valiosa, em termos de subsídios. Durante esse período, haverá, por certo, insegurança quanto aos rumos que a nova lei tomará, e diversos riscos existirão (tais como, por exemplo, uso político dos mecanismos de pressão). Em todos os casos, porém, não se poderá perder de vista que a Constituição Federal assegura a todos, seja em processo administrativo ou judicial, o respeito a algumas garantias, tais como a da ampla defesa e do contraditório, que, uma vez desrespeitadas, permitirão eventual busca de proteção junto ao Poder Judiciário.