No dia 22 de dezembro de 2014, o Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministro Ricardo Lewandowski, negou pedido formulado pelo Estado de Minas Gerais para suspender liminar do Tribunal de Justiça mineiro (TJMG), que permitiu à Saraiva e Siciliano S/A a comercialização de leitor de livros digitais (e-Reader) sem a obrigatoriedade do recolhimento do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) [1]. A decisão reabre a discussão sobre o alcance da imunidade tributária aos livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão. O objetivo deste artigo é demonstrar o alcance desta modalidade de desoneração tributária e os benefícios tributários que os empresários do ramo podem obter com ela.
Inicialmente, cumpre esclarecer que a imunidade tributária é espécie do gênero desoneração tributária, da qual também são espécies a isenção tributária e a não-incidência tributária. Na imunidade, a própria Constituição Federal (CF) dispõe ser proibido à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos, neste caso, sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão [2].
No entanto, são os livros digitais abrangidos pela imunidade? Se a CF faz menção apenas ao papel destinado à sua impressão, não seriam apenas os livros impressos em papel desonerados tributariamente? O e-Reader não estaria automaticamente excluído do benefício em questão, já que o legislador constituinte intencionou, na época da promulgação da CF, desonerar apenas o livro impresso e o papel destinado à sua impressão?
Para responder a estas questões, é necessário fixar que as imunidades tributárias devem ser interpretadas de forma sistemático-teleológica, diferentemente das isenções tributárias, as quais devem ser interpretadas de forma literal [3]. Interessa-nos, no campo das imunidades, entender que elas devem ser interpretadas de forma sistemática, isto é, levando em consideração não apenas a análise isolada do texto do dispositivo da CF, mas o seu conteúdo semântico ou sentido apreensível a partir da sua análise conjugada com outros dispositivos da CF, os quais fornecerão outros elementos não menos importantes para a correta compreensão do dispositivo inicial. Além disso, as imunidades devem ser interpretadas de forma teleológica, isto é, buscando os objetivos ou as finalidades que estão por trás do significado do texto do dispositivo. Neste sentido, a interpretação teleológica visa a maximizar o potencial de efetividade das imunidades tributárias, concretizando, na maior medida possível, os valores constitucionais que inspiram as limitações ao poder de tributar [4].
No caso da imundade conferida a livros, jornais e periódicos e ao papel destinado à sua impressão, há duas finalidades maiores subjacentes, que simultaneamente incorporam valores constitucionais do mais elevado escalão. De um lado, o exercío da liberdade de expressão e de pensamento; de outro, o incentivo ao acesso à informação, à cultura e à educação, indispensáveis ao fortalecimento da democracia. Neste peculiar, destaca-se que a qualidade do conteúdo é secundária, como já fora decidido, em interpretação ampla, pelo STF, quando estendeu a imunidade aos álbuns de figurinhas [5] e às listas telefônicas [6].
O caso em análise no STF, em dezembro de 2014, envolve o e-Reader, que não se confunde com outros aparelhos eletrônicos, tais como tablets, smartphones e afins, porquanto destinado exclusivamente à leitura de livros constantes da livraria digital da Saraiva e Siciliano [7]. Trata-se de aparelho que representa o suporte físico moderno do livro, em substituição ao papel. Bem expôs o Ministro Ricardo Lewandowski que o livro eletrônico, embora não expressamente citado pelo constituinte na época da CF, não deixa de ser um livro. A matéria teve repercussão geral reconhecida no RE N.º 330.817 e aguarda julgamento. No Tribunal de Justiça gaúcho (TJRS), foi dado provimento a um recurso da Saraiva e Siciliano, reconhecendo a imunidade tributária ao e-Reader [8].
Portanto, correta a extensão da imunidade tributária ao leitor de livro digital [9], desonerando o empresário do ICMS, tanto no ingresso do aparelho no território gaúcho, como quando da sua posterior comercialização. Ganha também o consumidor final, o qual arcará com um preço final menor para o e-Reader, e o País, que amadurece lenta e gradativamente na concretização de medidas de incentivo à promoção do acesso à informação, à cultura e à educação.
[1] Suspensão de Liminar (SL) N.º 818, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 11/12/2014, DJe 17/12/2014.
[2] Art. 150, VI, "d", CF.
[3] Ver art. 111 do Código Tributário Nacional (CTN).
[4] Nessa linha, ver STF, RE N.º 237.718, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, j. 29/03/2001, DJ 06/09/2001.
[5] RE N.º 221.239, Rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, j. 25/05/2004, DJ 06/08/2004.
[6] RE N.º 101.441, Rel. Min. Sydney Sanches, Pleno, j. 04/11/1987, DJ 19/08/1988.
[7] Ver o caso da importação de peças sobressalentes para equipamentos de preparo e acabamento de chapas de impressão offset para jornais, RE N.º 202.149, Rel. p/ acórdão Min. Marco Aurélio, j. 26/04/2011, DJe 11/10/2011, onde restou decidido, por maioria, que "a imunidade tributária relativa a livros, jornais e periódicos é ampla, total, apanhando produto, maquinário e insumos. A referência, no preceito, a papel é exemplificativa e não exaustiva".
[8] AGI N.º 70060743721, Rel. Des. Armínio da Rosa, 21ª Câmara Cível, j. 1º/10/2014, DJ 24/11/2014.
[9] Cfr. ainda nossa posição em: FOSSATI, Gustavo Schneider. Die sozialstaatliche und freiheitsschonende Dimension des Leistungsfähigkeitsgrundsatzes im Umsatzsteuerrecht. Eine rechtsvergleichende Untersuchung zwischen Deutschland und Brasilien. Frankfurt am Main: Peter Lang, 2014, pp. 191ss.