A desconsideração da personalidade jurídica, também chamada de disregarddoctrine, é uma teoria relativamente recente em nosso ordenamento jurídico, mas amplamente adotada nas mais diversas áreas.
No âmbito cível, a busca do patrimônio dos sócios-administradores é reconhecida nas hipóteses em que a personalidade jurídica é utilizada para fins ilícitos, abusivos ou fraudulentos, sendo necessário, para tanto, demonstrar desvio de finalidade ou confusão patrimonial em prejuízo à própria sociedade ou a terceiros (artigo 50 do Código Civil)[1].
Certo é que o instituto não tem por finalidade extinguir a pessoa jurídica. Pelo contrário, serve para, excepcionalmente, suspender a eficácia do seu ato constitutivo de modo a buscar, no patrimônio dos sócios, bens que respondam pela dívida contraída. Tal medida não pretende eliminar o princípio da separação do patrimônio dos sócios e da sociedade, mas tão somente, em casos concretos, servir como impedimento de fraudes ou abusos.[2]
Na seara trabalhista, que é tida por alguns doutrinadores como a pioneira na aplicação do instituto em razão de sua natureza protecionista[3], o amparo legal estaria previsto no artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho.
Utilizando-se subsidiariamente do Código de Defesa do Consumidor, que igualmente visa à proteção da parte hipossuficiente da relação jurídica, o Direito do Trabalho também se vale da regra disposta no artigo 28, §5º, da Lei n. 8.078/90. Nesta hipótese, a mera incapacidade empresarial para saldar a dívida trabalhista é suficiente para que se chegue à despersonalização da sociedade e, com isso, alcance o patrimônio dos sócios[4].
Na prática, aplicando estes princípios e normas na busca de satisfação do crédito que, predominantemente, tem natureza alimentar, o que se verifica é uma relativização tamanha que não só o patrimônio de sócios e administradores é atingido, mas também de terceiros. É possível encontrar decisões, por exemplo, que determinam a constrição do patrimônio de pessoas físicas que jamais integraram o quadro societário das pessoas jurídicas demandadas. Isso se dá simplesmente em razão de, em um determinado momento, tais pessoas terem constado em mandato outorgado pela sociedade empresária para a prática de determinados atos.
Em decisão proferida pela MM. 7ª Vara do Trabalho de Belém, contudo, restou determinado que a desconsideração deve alcançar apenas o patrimônio de administradores e sócios, não abrangendo o representante legal que não tenha constado no quadro societário da pessoa jurídica demandada.[5]
Essa decisão sinaliza que, mesmo no âmbito trabalhista, em que a busca pelo adimplemento do crédito, muitas vezes, faz com que o instituto da desconsideração da personalidade jurídica seja utilizado de forma mais ampla, ele não pode se tornar absoluto ou ilimitado. Há que prevalecer, mesmo em casos de tal natureza, o princípio da segurança jurídica à contratação feita pela sociedade empresária.
[1] STJ. Quarta Turma. AgRg no AREsp 550419 RS, Rel. Min. Raul Araujo. 19.05.2015.
[2] Como bem explicam Fredie Didier Jr. e Leandro Aragão (DIDIER JR, Fredie; ARAGÃO, Leandro. A desconsideração da personalidade jurídica no processo arbitral. In: QuarterLatin, YARSHELL, Flávio Luiz; PEREIRA, Guilherme Setoguti J (coords.). Processo Societário. São Paulo: QuartierLatin, 2012, p. 262)
[3] Neste sentido, Amador Paes de Almeida (Execução de bens do sócio. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 187.) e Eduardo Gabriel Saad (Curso de direito processual do trabalho. 6.ed., rev., atual e ampl. por José Eduardo Saad e Ana Maria Saad Castello Branco. São Paulo: LTr, 2008. p.1024).
[4]TRT-10 - RO: 609201000510006 DF 00844-2004-010-10-00-5 AP, Relator: Desembargador Douglas Alencar Rodrigues , Data de Julgamento: 02/10/2013, 2ª Turma, Data de Publicação: 11/10/2013 no DEJT)
[5] 7ª Vara do Trabalho de Belém-PA (TRT*). Processo nº 0000239-19.2012.5.08.0007, Juíza Núbia Soraya da Silva Guedes.