Reflexos da catástrofe ambiental ocorrida no Rio Grande do Sul nas relações trabalhistas.
A catástrofe ambiental que estamos vivenciando do Estado do Rio Grande do Sul desde o dia 24/04/2024, decorrente de eventos climáticos como chuvas intensas, alagamentos, granizo, inundações, enxurradas e vendavais, tem gerado diversos impactos na vida dos gaúchos, onde muitos tiveram as suas casas devastadas, outros se encontram impossibilitados de acessar às suas residências, os seus postos de trabalho e até mesmo desprovidos de serviços essenciais como água e energia elétrica.
O Governo do Estado do Rio Grande do Sul decretou estado de calamidade pública no território estadual através do Decreto 57.596, de 1º de maio de 2024.
Diante deste cenário, é perfeitamente normal surgirem dúvidas sobre os efeitos desta realidade nas relações trabalhistas, como, por exemplo, se o empregador pode exigir a presença do empregado na empresa, se os colaboradores podem sofrer descontos salariais decorrentes de falta apresentadas ou mesmo usufruírem de folgas compensatórias ou férias neste período. Pensando justamente em auxiliar as empresas sobre os procedimentos que devem ser adotados no estado de calamidade pública, passamos a realizar alguns esclarecimentos importantes sobre esse tema:
Primeiramente, cumpre esclarecer que a ocorrência de desastres ambientais não figura como uma das hipóteses expressamente previstas na Consolidação das Leis do Trabalho como falta justificada, ou seja, como uma das situações em que o empregado poderá deixar de comparecer ao serviço sem prejuízo do salário.
Contudo, embora a legislação não preveja expressamente que se trate de uma das hipóteses hábeis a justificar a ausência ao trabalho, a situação requer cautela, se fazendo necessário verificar se há alguma previsão específica nas normas coletivas aplicáveis à categoria, além de agir em conformidade com o princípio da razoabilidade e levando em consideração a realidade vivenciada pelo empregado.
Destaca-se que os colaboradores que estão impossibilitados de se apresentarem ao trabalho poderão obter atestado emitido pela Defesa Civil, documento este que poderá ser solicitado pela empresa, que terá a oportunidade de conferir se o endereço informado confere com o declarado pelo colaborador ao RH, para validar a justificativa da ausência.
Dessa forma, em se tratando de colaborador residente em área efetivamente atingida pelos eventos climáticos, sugere-se que as faltas ao trabalho não sejam descontadas do salário do empregado, mas sim que sejam abonadas ou objeto de compensação de horas, caso existente alguma modalidade de regime compensatório na empresa.
Em hipótese alguma a falta apresentada pelo colaborador que efetivamente tenha sido prejudicado pelos eventos climáticos e, consequentemente, impossibilitado de comparecer ao posto de trabalho, deverá gerar a aplicação de penalidades, como advertências, suspensões ou dispensa com justa causa, na medida em que tais medidas não se mostram razoáveis e defensáveis perante a Justiça do Trabalho.
Importa salientar que ao se tratar de empresa fornecedora de serviços essenciais, ou seja, inerentes ao fornecimento de insumos e materiais necessários à sobrevivência, saúde, abastecimento e segurança da população, faz-se necessário avaliar as alternativas que possibilitem a continuidade da prestação de serviços, mesmo em situações de calamidade pública. Dessa forma, medidas como a prestação de serviços de forma remota ou a instituição de rodízio de trabalho, por exemplo, se mostram como possibilidades que viabilizam a manutenção das atividades.
Outra dúvida frequente nestas situações diz respeito à possibilidade de concessão de férias individuais ou coletivas aos empregados. Entretanto, essa não é uma possibilidade viável, de pronto, na medida em que a CLT determina em seu art. 135, que a concessão das férias individuais será comunicada com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, e em seu art. 139 e parágrafos, que as férias coletivas deverão ser comunicadas ao órgão local do Ministério do Trabalho com a antecedência mínima de 15 (quinze) dias, mesmo prazo em que deverá enviar cópia da aludida comunicação aos sindicatos representativos da categoria profissional e providenciar a afixação de aviso nos locais de trabalho. Logo, os prazos legais impostos impedem a concessão de férias para a usufruição imediata. O descumprimento poderá gerar multas administrativas para empresa, nos termos do art. 153 da CLT.
Todavia, a Lei 14.437/2022 institui a possibilidade de flexibilização da legislação trabalhista em estado de calamidade decretado em âmbito nacional, estadual ou municipal, com reconhecimento pelo governo federal. A lei estabelece a possibilidade de antecipação de férias individuais e concessão de férias coletivas, o aproveitamento e antecipação de feriados, banco de horas, teletrabalho, a suspensão da exigibilidade dos recolhimentos do FGTS e a possibilidade de instituição de Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda. Sendo que a adoção das medidas deverá observar o disposto em ato do Ministério do Trabalho e Previdência, que estabelecerá, entre outros parâmetros, o prazo em que as medidas trabalhistas alternativas poderão ser adotadas.
O Projeto de Decreto Legislativo 236/2024, em que o governo federal reconhece a situação de calamidade pública no estado do RS, exigido pela Lei 14.437/2022, foi aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 06/05/2024 e pelo Senado Federal nesta terça-feira, 07/05/2024.
Portanto, diante da aprovação do referido decreto, estamos na expectativa do Ministério do Trabalho e Previdência estabelecer nos próximos dias os parâmetros para as medidas trabalhistas alternativas serem adotadas pelas empresas do estado do Rio Grande do Sul.
O time trabalhista da Carpena Advogados seguirá acompanhando o tema e está à disposição para sanar quaisquer dúvidas sobre o assunto.
Autora: Advogada Marieli Ribeiro Vieira
Crédito da imagem: Ricardo Stuckert/PR