Reflexos tributários da utilização de escrow accounts em operações de M&A

Em operações de M&A envolvendo a aquisição de participações societárias, um dos pontos essenciais dentro da

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Em operações de M&A envolvendo a aquisição de participações societárias, um dos pontos essenciais dentro da negociação contratual diz respeito às garantias prestadas pelos vendedores e pelos compradores: basicamente, têm-se, de um lado, os vendedores buscando a segurança de que receberão o preço acordado, e, de outro, os compradores pretendendo resguardar-se quanto às contingências, contabilizadas ou ocultas, do negócio adquirido. Consoante refere Sérgio Botrel, a cláusula contratual que dispõe sobre as garantias varia de acordo com a estrutura da operação [1]:

 

Nas transações em que há pagamento diferido do preço, por exemplo, o vendedor exige garantias por parte do comprador. Por outro lado, o comprador costuma exigir garantias do vendedor com relação a contingências constatadas na due diligence, aos eventos ocorridos até o fechamento e que tenham sido atribuídos como de responsabilidade do vendedor, ou mesmo com relação às declarações e garantias prestadas no contrato.

 

Com relação a tal aspecto das operações, diversas soluções jurídicas podem ser oferecidas, como o holdback (retenção de preço), a fiança bancária, a fiança prestada pela sociedade adquirida, o penhor de ações ou quotas da sociedade adquirida, além de uma infinidade de medidas contratuais que desestimulam o inadimplemento pela imposição de obrigações de fazer ou de não fazer (covenants) [2].

 

No presente estudo, no entanto, tratar-se-á, exclusivamente, da conta-garantia (ou escrow account) e dos reflexos tributários de sua utilização.

escrow account consiste em uma conta-corrente que não pode ser movimentada livremente por seu titular: a instituição financeira na qual a conta é aberta torna-se parte integrante de um contrato tripartite envolvendo comprador e vendedor, os quais movimentarão os ativos depositados de modo conjunto. O objetivo é manter em depósito quantias suficientes para cobrir as situações para as quais foram reservadas, seja para a liberação, total ou parcial, do preço ao vendedor, seja para cobrir eventuais contingências do negócio (eventos incertos ou não quantificáveis à época do fechamento da operação).

 

Ocorre que, não obstante seja irrelevante a titularidade da conta para fins de sua movimentação, tal fator representa objeto de especial atenção sob o aspecto tributário. Com efeito, haverá significativa diferença de tributação caso a conta-garantia esteja em nome do vendedor ou do comprador.

 

Caso a escrow account esteja em nome do vendedor, abre-se margem à interpretação, por parte do Fisco, de que os valores depositados estariam sujeitos à tributação. Nesse caso, caberá ao vendedor demonstrar que os recursos depositados ainda não estão disponíveis e, portanto, não devem integrar a base de cálculo do imposto de renda.

 

Com relação aos vendedores pessoas físicas, a Receita Federal já manifestou, através de seu site, que “quando não houver valor determinado, por impossibilidade absoluta de quantificá-lo de imediato, o ganho de capital deve ser tributado na medida em que o preço for determinado e as parcelas forem pagas”. Ressalta, contudo, “que o tratamento descrito deve ser comprovado pelas partes contratantes sempre que a autoridade lançadora assim o determinar”, conforme advertido [3].

 

Além desta manifestação da própria Receita Federal, também já se manifestou expressamente sobre o tema o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF). No julgamento processo nº 19515.720697/2011-28, decidiu-se que “somente haverá a incidência do Imposto de Renda sobre o ganho de capital, decorrente da alienação de bens e direitos, relativo a rendimentos depositados em escrow account (conta-garantia), quando ocorrer a efetiva disponibilidade econômica ou jurídica destes para o alienante, após realizadas as condições a que estiver subordinado o negócio jurídico”.

 

Caso se deseje evitar qualquer questionamento por parte das autoridades fiscais, pode-se, também, manter a conta-garantia em nome do comprador.

 

Ocorre que, nesse caso, passa o vendedor a correr o risco de que os recursos depositados venham a ser arrecadados para o pagamento de credores em caso de falência do comprador. Como destaca Halembeck, tal situação pode ser “mitigada com a constituição de penhor sobre os direitos creditórios depositados na conta-garantia, de forma que a dívida, em relação ao credor-vendedor, seja considerada como dívida com garantia real, subindo um degrau em relação aos demais credores quirografários” [4].

 

Ainda sobre os impactos tributários da utilização de escrow accounts, Halembeck menciona a diferença de tratamento na tributação sobre os juros decorrentes dos valores depositados, conforme se trate de pessoa física ou jurídica: [5]

 

No caso de pessoas físicas, os tributos recolhidos pela fonte pagadora (o banco) são considerados definitivos. No caso de pessoas jurídicas, os tributos recolhidos pela fonte pagadora são considerados mera antecipação sobre a tributação total, que deve ser ajustada na declaração de imposto de renda da pessoa jurídica.

 

Conclui-se, portanto, que a utilização de escrow accounts, embora recomendável em diversas circunstâncias, exige planejamento e especial atenção aos reflexos tributários, sob pena de causar inconvenientes inesperados às partes.

 

[1] BOTREL, Sérgio. Fusões & Aquisições. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 289.
[2] HALEMBECK, Luiz Fernando Amaral. Compra e venda de sociedades fechadas. In: ROVAI, Armando Luiz; MURRAY NETO, Alberto (coordenadores). As sociedades por ações na visão prática do advogado. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 147-168.
[3] Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/PessoaFisica/IRPF/2014/perguntao/assuntos/ganho-de-capital.html>. Acesso em 09 de abril de 2015.
[4] HALEMBECK, Luiz Fernando Amaral, op. cit. p. 161.
[5] HALEMBECK, Luiz Fernando Amaral, loc. cit.