No dia 1º de abril de 2015, a Presidenta da República restabeleceu, por decreto, para 0,65% e para 4%, respectivamente, as alíquotas da Contribuição para PIS e da COFINS incidentes sobre receitas financeiras, inclusive decorrentes de operações realizadas para fins de hedge, auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração não-cumulativa das referidas contribuições [1]. A alteração aplica-se inclusive às pessoas jurídicas que tenham apenas parte de suas receitas submetidas ao regime de apuração não-cumulativa da Contribuição para o PIS e da COFINS. O restabelecimento das alíquotas pelo Executivo, neste caso, em que pese tenha atendido ao prazo de noventa dias para o início da produção dos seus efeitos, não observou a legalidade tributária. O objetivo desta breve abordagem é demonstrar a inconstitucionalidade resultante do ato do Poder Executivo Federal e, simultaneamente, sinalizar medidas judiciais que podem ser propostas para afastar esta cobrança.
Em maio de 2005, o Poder Executivo Federal havia, por decreto, reduzido a zero as alíquotas da Contribuição ao PIS e da COFINS incidentes sobre as receitas financeiras, inclusive decorrentes de operações realizadas para fins de hedge, auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de incidência não-cumulativa das referidas contribuições [2]. Tanto esta possibilidade de redução, como a possibilidade de restabelecimento das alíquotas, encontram previsão expressa no § 2º do art. 27 da Lei nº 10.865/2004 [3], o que poderia levar a crer que o restabelecimento das alíquotas realizado nos últimos dias seria plenamente legal.
No entanto, cumpre destacar, inicialmente, que um dos mais importantes pilares do Estado Democrático de Direito [4] é precisamente a legalidade [5]. Esta pode ser observada, no texto constitucional, sob um primeiro aspecto geral e sob um segundo aspecto específico. O primeiro consta do art. 5º, II, segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. O segundo, agora específico para o campo tributário, dispõe que “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça (art. 150, I). A previsão expressa, tanto da legalidade geral como da específica, existe justamente para fortalecer a democracia representativa, que atua com base na lei, não com base no arbítrio do Poder Executivo.
As únicas hipóteses que a Constituição Federal autoriza o Poder Executivo Federal a alterar alíquotas de tributos (as chamadas atenuações à legalidade) estão previstas no art. 153, § 1º e art. 177, § 4º. No primeiro caso, a ressalva vale para o Imposto de Importação (II), Imposto de Exportação (IE), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). No segundo caso, a exceção vale para a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo (CIDE – combustíveis). Assim, não há autorização constitucional para quebrar a legalidade fora destas hipóteses.
No caso ora analisado, o decreto presidencial restabeleceu para 0,65% e para 4%, respectivamente, as alíquotas do PIS e da COFINS sobre receitas financeiras, sem que houvesse autorização constitucional para tanto. Cumpre observar que o ato de restabelecer alíquotas, até então reduzidas a zero, provoca um efeito, para o destinatário da norma jurídica, de aumento ou majoração do tributo em relação à situação anterior, neste caso, ferindo a legalidade tributária.
Portanto, é inconstitucional o restabelecimento das alíquotas mencionadas via decreto presidencial, por resultar em uma majoração dos tributos em questão em relação à situação anterior, ferindo claramente a legalidade tributária prevista na Constituição Federal. Cabe agora ao Poder Judiciário, a partir das medidas judiciais propostas pelos contribuintes, afastar esta atuação desautorizada do Poder Executivo Federal.
[1] Decreto nº 8.426, de 1º de abril de 2015.
[2] Decreto nº 5.442, de 9 de maio de 2005.
[3] § 2º O Poder Executivo poderá, também, reduzir e restabelecer, até os percentuais de que tratam os incisos I e II do caput do art. 8º desta Lei, as alíquotas da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre as receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de não-cumulatividade das referidas contribuições, nas hipóteses que fixar.
[4] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
[5] A legalidade tributária é um direito fundamental do contribuinte e, nesta condição, também é cláusula pétrea (art. 60, § 4º, da CF).