Em recente julgado, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que é admissível a condenação de pessoa jurídica pela prática de crime ambiental, ainda que absolvidas as pessoas físicas ocupantes de cargo de presidência ou de direção do órgão responsável pela prática criminosa.
A denúncia formulada pelo Ministério Público Federal (MPF) por crime ambiental contra a Petrobrás, bem como contra o então presidente da referida companhia e contra o superintendente de uma refinaria, foi recebida. No entanto, as pessoas físicas denunciadas conseguiram ser excluídas da ação penal por meio de habeas corpus.
Como as pessoas físicas foram afastadas da ação penal, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a pessoa jurídica também deveria ser excluída do processo, que foi julgado extinto.
O MPF recorreu e a 1ª Turma do STF, por maioria, cassou o acórdão do STJ. Esta decisão constitui importante precedente no que se refere à imputação de prática de crime ambiental à pessoa jurídica.
Sobre este tema, importante tecer alguns comentários.
O artigo 225 da Constituição Federal (CF), em seu parágrafo 3º, prevê o seguinte:
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Todavia, mesmo com tal previsão constitucional, quatro correntes surgiram para explicar a possibilidade (ou não) de responsabilização penal da pessoa jurídica.
A primeira corrente, apesar de minoritária, é defendida por doutrinadores como Miguel Reale Jr., Cézar Roberto Bitencourt e José Cretela Jr. Para estes, a CF não previu a responsabilidade penal da pessoa jurídica, mas apenas sua responsabilidade administrativa. Assim, quando o dispositivo constitucional fala em sanções penais, ele está apenas se referindo às pessoas físicas.
Já a segunda corrente, majoritária na doutrina, diz que a ideia de responsabilidade da pessoa jurídica é incompatível com a teoria do crime adotada no Brasil. Isto porque se baseia na teoria da ficção jurídica, de Savigny, segundo a qual as pessoas jurídicas são puras abstrações, desprovidas de consciência e vontade (societas delinquere non potest). Ou seja:
são desprovidas de consciência, vontade e finalidade e, portanto, não podem praticar condutas tipicamente humanas, como as condutas criminosas (GOMES, 2009, p. 691).
Para esta corrente, não pode haver responsabilização criminal das pessoas jurídicas porque não têm dolo ou culpa, nem agem com culpabilidade – falta imputabilidade ou potencial consciência da ilicitude. Não bastasse isto, a aplicação de pena é inútil, uma vez que a finalidade da pena (prevenir e reeducar o infrator) é impossível de ser alcançada em relação às pessoas jurídicas (GOMES, 2009, p. 692).
Tal corrente é adotada por juristas como Pierangelli, Zafaroni, René Ariel Dotti, Luiz Régis Prado, Fernando da Costa Tourinho Filho, Roberto Delmanto, Luiz Flávio Gomes, entre outros.
A posição adotada pelo STJ, terceira corrente, afirma que a responsabilização penal da pessoa jurídica é possível, desde que em conjunto com uma pessoa física. Este entendimento encontra respaldo na Lei nº. 9.605/98:
Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.
Com isto, para o STJ, o MPF não poderá denunciar apenas a pessoa jurídica. Deverá, obrigatoriamente, identificar e apontar as pessoas físicas que participaram do evento delituoso, sob pena de a denúncia não ser recebida (REsp 610.114/RN).
Pelo referido dispositivo é possível punir apenas a pessoa física, ou a pessoa física e a pessoa jurídica concomitantemente. Não é possível, entretanto, punir apenas a pessoa jurídica, já que o caput do art. 3º somente permite a responsabilização do ente moral se identificado o ato do representante legal ou contratual ou do órgão colegiado que ensejou a decisão da prática infracional. Assim, conforme já expusemos acima, não é possível denunciar, isoladamente, a pessoa jurídica já que sempre haverá uma pessoa física (ou diversas) co-responsável pela infração (GOMES, 2009, p. 702-703).
Por fim, a última corrente defende que é perfeitamente possível responsabilizar penalmente a pessoa jurídica por crimes ambientais, ainda que não haja responsabilização de pessoas físicas. O embasamento desta corrente é o texto constitucional.
Para os defensores desta corrente, o parágrafo 3º, do artigo 225 da CF, não exige, para que haja responsabilidade penal da pessoa jurídica, que pessoas físicas sejam também denunciadas. Esta corrente é defendida, dentre outros, por Vladimir e Gilberto Passos de Freitas:
a denúncia poderá ser dirigida apenas contra a pessoa jurídica, caso não se descubra a autoria das pessoas naturais, e poderá, também, ser direcionada contra todos. Foi exatamente para isto que elas, as pessoas jurídicas, passaram a ser responsabilizadas. Na maioria absoluta dos casos, não se descobria a autoria do delito. Com isto, a punição findava por ser na pessoa de um empregado, de regra o último elo da hierarquia da corporação. E quanto mais poderosa a pessoa jurídica, mais difícil se tornava identificar os causadores reais do dano. No caso de multinacionais, a dificuldade torna-se maior, e o agente, por vezes, nem reside no Brasil. Pois bem, agora o Ministério Púbico poderá imputar o crime às pessoas naturais e à pessoa jurídica, juntos ou separadamente. A opção dependerá do caso concreto (FREITAS, 2006, p. 70).
Como o STF ainda não havia enfrentado diretamente o tema, prevalecia, até então, a posição do STJ. Ocorre que a 1ª Turma do STF, em julgamento do recurso extraordinário nº. 548181/PR, adotou esta última corrente.
Para o STF, a tese do STJ viola a CF. Isso porque o artigo 225, § 3º, da CF, não condiciona a responsabilização da pessoa jurídica a uma identificação, ou sequer manutenção na relação jurídico-processual, da pessoa física. Entre outras palavras, condicionando a imputabilidade da pessoa jurídica à da pessoa física que a dirige, estar-se-ia subordinando a responsabilização jurídico-criminal do ente jurídico à efetiva condenação da pessoa física – o que não condiz com o texto constitucional.
Pode-se afirmar que este julgado é o mais importante deste ano sobre Direito Penal Ambiental, uma vez que representa uma contraposição ao entendimento até então amplamente majoritário na jurisprudência.
FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes Contra a Natureza. São Paulo: RT, 2006, p. 70
GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches (Coord.). Legislação Criminal Especial. São Paulo: RT, 2009, p. 691.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Embargos de Declaração no Recurso Especial nº. 865.864/PR, Rel. Min. Adilson Vieira Macabu (Desembargador Convocado do TJ/RJ), julgado em 20/10/2011.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial nº. 610.114/RN, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 17/11/2005.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário nº. 548.181/PR, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 6/8/2013.