Falimentar e recuperacional

A “nova” Lei de recuperação e falência

Foi sancionada, nos últimos dias de 2020, a Lei Federal n. 14.112, que introduziu importantes mudanças na Lei de Recuperação de Empresas

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Foi sancionada, nos últimos dias de 2020, a Lei Federal n. 14.112, que introduziu importantes mudanças na Lei de Recuperação de Empresas e Falência (Lei Federal n. 11.101/2005), muitas delas reclamadas há muito tempo. Não há como prever, exatamente, como tais mudanças serão interpretadas ou como efetivamente afetarão o funcionamento dos processos de recuperação e falência, principalmente porque ainda há divergências sobre algumas delas. Para que todos possam começar a se adequar às mudanças ocorridas – já em vigor –, nossos sócios analisaram algumas das principais e as indicam abaixo:

 

1. Possibilidade de prorrogação do período de suspensão (stay period) das execuções contra do devedor

O período de suspensão das execuções, que na redação original da lei era de 180 dias (que, no final das contas, acabava sendo flexibilizado, de acordo com a jurisprudência), passa a ser prorrogável, uma única vez, em caráter excepcional, por mais 180 dias.

 

2. Contagem dos prazos em dias corridos

Resolvendo uma discussão que surgiu quando entrou em vigor o Código de Processo Civil de 2015 (que estabelece, como regra geral, a contagem dos prazos em dias úteis apenas), a contagem dos prazos nos processos de recuperação e falência será realizada de modo corrido, ou seja, incluindo, por exemplo, finais de semana (o início ou o término ficam prorrogados para o primeiro dia útil quando ocorrerem em tais períodos).

 

3. Recuperação judicial do produtor rural

Com a reforma, o produtor rural, a quem já era assegurada a possibilidade de requerer recuperação judicial, poderá, a partir de agora, comprovar o atendimento do requisito relativo ao prazo mínimo de atividade (dois anos) mediante a utilização de diversos documentos contábeis, conforme se trate de pessoa jurídica ou física.

 

4. Novos deveres do Administrador Judicial

Dentre as novidades relacionadas ao papel do administrador judicial está o dever de utilizar a conciliação e a mediação para resolver os conflitos que surgirem nos processos de recuperação e falência, bem como o de manter um site com informações sobre os processos sob seu cuidado (permitindo a consulta dos principais documentos) e um endereço eletrônico para receber pedidos de habilitação ou apresentação de divergências. Aumentaram, também, as atribuições relacionadas à fiscalização dos processos de recuperação judicial (tais como a verificação da veracidade das informações prestadas pelo devedor, acompanhamento das tratativas com credores e apresentação de relatórios mensais).

 

5. Possibilidade de venda integral da devedora

Com a reforma, passou a ser possível a venda integral da empresa devedora – possibilidade essa que, antes da reforma, era amplamente questionável –, sem que haja qualquer sucessão por parte do adquirente (da mesma forma que a venda de UPI - Unidade Produtiva Isolada), desde que sejam garantidas, aos credores extraconcursais e aos que não aderirem, condições equivalentes às que teriam em caso de falência.

 

6. Reconhecimento de que o esvaziamento patrimonial (liquidação substancial) poderá resultar na decretação da falência quando prejudicar credores, inclusive aqueles que não se sujeitam à recuperação

A partir de agora, se houver liquidação substancial, ou seja, quando não sobrarem bens, direitos ou projeção de fluxo de caixa suficientes à garantia da continuidade da atividade empresarial -situação essa cuja comprovação poderá ser realizada por perícia específica –, a recuperação judicial poderá ser convolada (“convertida”) em falência. Essa possibilidade existe também para a hipótese de ser constatado prejuízo à Fazenda Pública.

 

7. Possibilidade de os credores trabalhistas serem pagos em até dois anos

Antes da reforma, os débitos trabalhistas vencidos até a data da apresentação do pedido de recuperação deveriam ser pagos no prazo máximo de até um (1) ano. Com a mudança da lei, esses débitos poderão ser pagos no prazo de até dois (2) anos, desde que sejam apresentadas garantias suficientes, notadamente quanto ao pagamento integral dos créditos trabalhistas e, ainda, que a maioria dos respectivos credores tenha concordado.

 

8. Possibilidade de os credores apresentarem plano de recuperação

Uma das mais interessantes possibilidades que a reforma introduziu no sistema da recuperação foi a possibilidade de os credores apresentarem plano de recuperação alternativo. Essa possibilidade surgirá em duas situações: (i) quando não houver deliberação sobre o plano apresentado pelo empresário em recuperação durante o período de suspensão das execuções (stay period) ou, ainda, (ii) quando ele for rejeitado em assembleia.

 

9. Introdução de regras para a recuperação judicial de grupos de empresas

Os devedores que integram grupos econômicos contarão, a partir de agora, com diversas regras que, afastando dúvidas e discussões, permitirão maior segurança quando desejarem utilizar a recuperação judicial em conjunto. A introdução de disposições tratando das chamadas “consolidação processual” e “consolidação substancial” vem em socorro a diversos grupos de empresas que, ao requererem a recuperação, enfrentavam posicionamentos muitas vezes divergentes entre tribunais. Com a mudança, e desde que atendidos alguns requisitos, os empresários poderão obter diversos benefícios, tais como a realização de atos coordenados, que permitirão uma maior agilidade no desenvolvimento das diversas etapas do procedimento.

 

10. Aumento da proteção de sócios, controladores e administradores quanto aos efeitos da falência

A lei passa a vedar, expressamente, a extensão da falência e de quaisquer de seus efeitos aos sócios de responsabilidade limitada, aos controladores e administradores, os quais só poderão ser responsabilizados mediante a desconsideração da personalidade jurídica das sociedades das quais façam parte.

 

11. Proteção jurídica da eficácia dos atos praticados no curso da recuperação judicial

 Apesar de a lei prever, expressamente, que a liquidação substancial dos ativos poderá ser considerada causa para a decretação da falência (via convolação da recuperação), a validade e a eficácia dos atos não serão atingidas. Além disso, a alienação de bens ou a prestação de garantias a adquirente de bens ou financiador de boa-fé, quando realizadas com autorização judicial ou estiverem previstas no plano de recuperação aprovado, não poderão ser anuladas ou tornadas ineficazes após a consumação do negócio com o recebimento dos recursos pelo devedor.

 

12. Novas regras para venda de ativos do devedor.  

A Lei Federal n. 14.112/20 confirma que unidades produtivas isoladas poderão abranger bens, direitos ou ativos de qualquer natureza do devedor, tangíveis ou intangíveis, isolados ou em conjunto, incluindo as participações societárias. A Lei Federal n. 14.112/20 prevê ainda que a alienação de bens pelo devedor, desde que autorizada judicialmente ou prevista no plano de recuperação judicial ou extrajudicial, não poderá ser anulada ou tornada ineficaz após a consumação do negócio jurídico com o recebimento dos recursos pelo devedor.

 

13. Recuperação extrajudicial. 

Passam a se sujeitar à recuperação extrajudicial também créditos de natureza trabalhista e por acidentes de trabalho, desde que haja negociação coletiva com o sindicato da respectiva categoria profissional. Além disso, a Lei Federal n. 14.112/20 reduz o quórum requerido para homologação do plano de recuperação extrajudicial para mais da metade dos créditos de cada espécie abrangidos pelo plano. As regras de suspensão de das ações e execuções em face do devedor   da recuperação judicial também passam a ser aplicáveis ao processo de recuperação extrajudicial. A Lei Federal n. 14.112/20 prevê que o pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial poderá ser apresentado com a comprovação de anuência de pelo menos 1/3 dos créditos abrangidos, sendo conferido o prazo de 90 dias ao devedor para que se atinja o quórum necessário para homologação, facultada a conversão em recuperação judicial a pedido do devedor. Finalmente, os atos praticados em cumprimento ao plano de recuperação extrajudicial homologado não estarão sujeitos a ação revocatória na hipótese de posterior falência do devedor, o que aumentará a segurança jurídica, facilitando a implementação do plano.

 

14. Obrigações de natureza tributária. 

São estabelecidos novos regimes de parcelamento de determinadas obrigações tributárias do devedor, incluindo a possibilidade de parcelamento destas em até 120 parcelas mensais ou, em relação aos débitos administrados pela Receita Federal, usar prejuízo fiscal para cobrir 30% da dívida e parcelar o restante em 84 parcelas mensais. Alternativamente, até a juntada aos autos do plano aprovado pela assembleia geral de credores, o devedor poderá apresentar à Procuradoria-Geral da Fazenda proposta de transação relativa a créditos inscritos em dívida ativa da União, sendo estabelecido o prazo máximo de parcelamento de 120 meses e montante máximo de desconto equivalente a 70%. Caberá à autoridade fiscal apreciar a proposta de transação conforme seu juízo de conveniência e oportunidade, respeitados determinados critérios e balizas previstos na Lei Federal n. 14.112/20 e em atos regulamentares.