Com o advento da crise causada pelo surto do novo coronavírus (SARS-COV-2), as empresas que se encontram em processo de recuperação judicial já buscam formas de superar os prejuízos ocasionados pela paralisação temporária “forçada” de suas atividades, os quais vêm acarretando percalços nos cumprimentos de suas obrigações para com os credores.
Foram aprovadas pelo Conselho Nacional de Justiça, na 307ª Sessão Ordinária realizada no dia 31/03/2020, orientações a todos os magistrados com competência para julgamento de ações de recuperação judicial em decorrência dos impactos econômicos da COVID-19, as quais, consubstanciadas no Ato Normativo nº 0002561-26.2020.2.00.0000, têm por finalidade, além de proporcionar segurança jurídica para o mercado prejudicado, respaldar decisões que já vinham sendo publicadas.
Tendo em conta os artigos 2º e 3º do referido Ato [1], o Juiz Tiago Henriques Papaterra Limongi, da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais da Comarca de São Paulo/SP, deferiu o requerimento, apresentado pela sociedade empresária Nasa Laboratório Bioclinico, de suspensão, pelo período de 30 (trinta) dias, da realização da AGC. Além do pedido de suspensão, havia um pedido de prorrogação do stay period pelo mesmo tempo, com o que restaram suspensas, por conseguinte, as ações e execuções promovidas contra a recuperanda.
Na decisão, o Juiz, já considerando a situação emergencial que o mundo experimenta, entendeu que o pleito “[...] está em linha com a decisão do Conselho Superior da Magistratura, que na última sexta-feira, dia 13.03.2020, suspendeu os prazos processuais e as audiências consideradas não urgentes, pelo prazo de 30 dias”. Ainda, repisou, ao fim de sua decisão, que a recuperanda não tinha qualquer concorrência ao atraso da demanda, estando evidenciada a ocorrência de acontecimentos externos e imprevisíveis.
Ainda sobre a realização da AGC e em consonância com o parágrafo único do artigo 2º do referido Ato [2], o Juiz João de Oliveira Rodrigues Filho, da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais da Comarca de São Paulo/SP, visando ao atendimento das recomendações feitas pelas autoridades públicas de serem evitadas a realização de reuniões e aglomerações sociais, deferiu, em decisão inédita no âmbito jurídico brasileiro, o requerimento apresentado pela Odebrecht para que a Assembleia Geral de Credores seja realizada em ambiente virtual. Com essa decisão, o Juiz permitiu, assim, o prosseguimento da AGC e a busca pela aprovação do Plano de Recuperação Judicial.
Em que pese a Lei n. 11.101/2005 não prever a realização da AGC na referida modalidade de maneira expressa, o Juiz ressaltou que “[...] devemos compreender que no momento de sua edição não havia disseminação tão maciça e segura dos meios de comunicação eletrônicos [...]”. A realização da AGC na modalidade virtual, ainda de acordo com a decisão, está em consonância com as medidas de distanciamento social determinada pelas autoridades “[...] sem prejuízo da busca pelo soerguimento da atividade por meio da continuidade da discussão e votação do PRJ apresentado pelas recuperandas [...]”.
A par desses aspectos, há outros que merecem igual atenção. Nesse sentido, como ficaria a situação das empresas em recuperação judicial onde já foi realizada a AGC e o Plano de Recuperação Judicial já está aprovado pelos credores?
Quando da proposição e aprovação do PRJ, tanto as empresas recuperandas quanto os seus credores jamais poderiam prever, tampouco imaginar que o mercado seria atingido por uma crise de proporção global. Em razão desta incerteza, resta o integral cumprimento do PRJ pela empresa recuperanda extremamente prejudicado ante a paralização de suas atividades por medidas que visam a contenção da novo coronavírus na sociedade em razão, também, da decretação pelo Senado Federal do estado de calamidade pública no Brasil por conta da pandemia de COVID-19.
Pretendendo o regular cumprimento do PRJ e em consonância com o parágrafo único do artigo 4º do Ato Normativo [3], o Juiz Antenor da Silva Cápua, da 1ª Vara Cível da Comarca de Itaquaquecetuba/SP, atendeu parcialmente o requerimento feito pela Locadora de Caminhões Mônaco para que houvesse a redução do pagamento dos créditos inscritos na classe I (credores trabalhistas). Inicialmente, a empresa requereu a suspensão do pagamento dos referidos créditos, os quais seriam retomados após o fim da pandemia, bem como a redução daqueles que tinham pagamento programado para o início de abril ao percentual de 10% (dez por cento) para cada credor, escudando-se nos institutos da força maior e caso fortuito.
Em sua decisão, o Julgador, assim como os demais mencionados, referiu-se à presente crise ocasionada pela disseminação do vírus causador da COVID-19, bem como compreendeu que a recuperação judicial tem como intuito: “[...] viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeiro da empresa, sendo certo que, devido as ações preventivas adotadas pelos órgãos competentes, a atividade da empresa acaba sendo duramente atingida, tendo em vista que se trata de uma empresa de distribuição“. Deste modo, “[...]a fim de manter um fluxo financeiro mais saudável para a recuperanda, visando evitar uma eventual quebra [...]“, acolheu parcialmente a pretensão da empresa, autorizando o pagamento de 10% (dez por cento) devidos a cada credor trabalhista dos créditos que tem pagamento programados para o dia 03/04/2020, bem como para os programados para o mês de maio do presente ano.
Percebe-se, a partir das decisões ora mencionadas, que antes mesmo da aprovação das orientações pelo CNJ, o Judiciário já havia se mobilizado para que nenhuma das partes presentes nas recuperações judiciais restassem prejudicadas até que houvesse o restabelecimento integral das atividades comerciais das empresas e do mercado global, bem como daquelas que viessem acionar o judiciário visando a continuidade de suas atividades através do pagamento de seus débitos junto a seus credores.
Necessário, também, destacar a riqueza do embasamento da decisão proferida em favor da Odebrecht, eis que, até então, entendia-se que a realização da AGC deveria se dar de forma presencial. Assim, utilizando como fundamento os diversos Decretos e Resoluções por meio dos quais determinada medidas de isolamento social, e sem deixar de lado a importância do prosseguimento de atividades que têm reflexos econômicos, o Juiz ressaltou que “[...] é importante salientar que as autoridades governamentais enaltecem a necessidade de não se obstar toda e qualquer atividade empresarial ou civil, para evitar o colapso da economia, da produção do país e da continuidade do abastecimento de itens essenciais destinados à população“. Em outras palavras, tão necessário quanto a contenção da disseminação do SARS-COV-2, para fins de manter em funcionamento o sistema de saúde brasileiro, é a manutenção do sistema econômico.
Desta forma, a Carpena Advogados coloca-se inteiramente à disposição para sanar eventuais dúvidas quanto ao tema, bem como prestar auxílio jurídico com relação à Recuperação de Judicial, visando fomentar nossa economia e auxiliar no crescimento/desenvolvimento de nossos parceiros e clientes.
[1] Art. 2º Recomendar a todos os Juízos com competência para o julgamento de ações de recuperação empresarial e falência que suspendam a realização de Assembleias Gerais de Credores presenciais, em cumprimento às determinações das autoridades sanitárias enquanto durar a situação de pandemia de Covid-19.
[...]
Art. 3º Recomendar a todos os Juízos com competência para o julgamento de ações de recuperação empresarial e falência que prorroguem o prazo de duração da suspensão (stay period) estabelecida no art. 6º da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, nos casos em que houver necessidade de adiamento da realização da Assembleia Geral de Credores e até o momento em que seja possível a decisão sobre a homologação ou não do resultado da referida Assembleia Geral de Credores.
Parágrafo único. Verificada a urgência da realização da Assembleia Geral de Credores para a manutenção das atividades empresariais da devedora e para o início dos necessários pagamentos aos credores, recomenda-se aos Juízos que autorizem a realização de Assembleia Geral de Credores virtual, cabendo aos administradores judiciais providenciarem sua realização, se possível.
Parágrafo único. Considerando que o descumprimento pela devedora das obrigações assumidas no plano de recuperação pode ser decorrente das medidas de distanciamento social e de quarentena impostas pelas autoridades públicas para o combate à pandemia de Covid-19, recomenda-se aos Juízos que considerem a ocorrência de força maior ou de caso fortuito para relativizar a aplicação do art. 73, inc. IV, da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005.