Em decorrência da pandemia causada pelo novo coronavírus (Covid-19), muitas são as dúvidas e incertezas da população brasileira e mundial acerca dos efeitos das medidas que vêm sendo adotadas para conter a sua disseminação, que têm impactado atividades nas mais diversas áreas, tanto públicas quanto privadas.
Uma das atividades estatais afetada pelas medidas governamentais adotadas foi a do Poder Judiciário. Nesse sentido, o CNJ, instituição que tem por propósito aperfeiçoar o funcionamento do Poder Judiciário, determinou a suspensão, momentaneamente, até o dia 30 de abril de 2020, por meio da edição da Resolução de n. 313, datada de 19 de março de 2020, de todos os prazos processuais, conforme se verifica em seu artigo 5º, que tem a seguinte redação:
Art. 5º Ficam suspensos os prazos processuais a contar da publicação desta Resolução, até o dia 30 de abril de 2020.
Nesse contexto, é preciso lembrar que a atividade jurisdicional foi caracterizada como essencial, conforme previsão contida no inciso XXXVIII do artigo 3º do Decreto n. 10.292, de 25 de março de 2020, emitido pelo Presidente da República, em 26 de março de 2020, de acordo com o qual ficou estabelecido “no âmbito do Poder Judiciário, regime de Plantão Extraordinário, para uniformizar o funcionamento dos serviços judiciários, com o objetivo de prevenir o contágio pelo novo Coronavírus – Covid-19, e garantir o acesso à justiça neste período emergencial”, alterando-se, assim, o Decreto de n. 10.282, de 20 de março de 2020, que regulamentou a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, para fins de definir os serviços públicos e as atividades essenciais. O dispositivo passou a conter o seguinte texto:
Art. 3º As medidas previstas na Lei nº 13.979, de 2020, deverão resguardar o exercício e o funcionamento dos serviços públicos e atividades essenciais a que se refere o § 1º. § 1º São serviços públicos e atividades essenciais aqueles indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim considerados aqueles que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população, tais como:
(...)
XXXVIII - atividades de representação judicial e extrajudicial, assessoria e consultoria jurídicas exercidas pelas advocacias públicas, relacionadas à prestação regular e tempestiva dos serviços públicos;
Pois bem. Da análise da referida Resolução verifica-se, em primeiro lugar, que ela se destina aos prazos processuais, e não, necessariamente, aos atos processuais, pois há medidas que não podem cessar ou ficar suspensas, sob pena de implicar na violação de garantias e direitos fundamentais. Eis a razão das exceções dispostas ao longo do artigo 1º da Resolução, que deverão ser realizadas por meio do Plantão Extraordinário. Igualmente, a Resolução não dispõe sobre o funcionamento do Supremo Tribunal Federal e da Justiça Eleitoral (cf. previsão no parágrafo único do artigo 1º).
Por outro lado, e apesar de a suspensão ter sido instituída em termos gerais, a real definição quanto às atividades essenciais ficará a cargo dos Tribunais, conforme previsão contida no §1º do artigo 2º, o que de certa forma traz novas dúvidas acerca do tema. Vale ler o dispositivo:
Art. 2º.
§ 1º Os tribunais definirão as atividades essenciais a serem prestadas, garantindo-se, minimamente:
I – a distribuição de processos judiciais e administrativos, com prioridade aos procedimentos de urgência;
II – a manutenção de serviços destinados à expedição e publicação de atos judiciais e administrativos;
III – o atendimento aos advogados, procuradores, defensores públicos, membros do Ministério Público e da polícia judiciária, de forma prioritariamente remota e, excepcionalmente, de forma presencial;
IV – a manutenção dos serviços de pagamento, segurança institucional, comunicação, tecnologia da informação e saúde; e
V – as atividades jurisdicionais de urgência previstas nesta Resolução.
Especificamente quanto ao inciso II supra, relativo à expedição e publicação de atos judiciais e administrativos, a dúvida que paira, no âmbito das execuções judiciais, quanto à possibilidade, ou não, de realização de bloqueios ou penhoras neste período.
Trata-se de dúvida cuja a solução o leitor apressado pode ser induzido em erro mediante a mera leitura das hipóteses de suspensão prevista no artigo 5° do Decreto. Por isso, a leitura conjunta com os demais artigos do Decreto se mostra pertinente. No artigo 4º, por exemplo, estão elencadas as matérias compreendidas que podem ser apreciadas em regime de plantão extraordinário:
Art. 4º No período de Plantão Extraordinário, fica garantida a apreciação das seguintes matérias:
I – habeas corpus e mandado de segurança;
II – medidas liminares e de antecipação de tutela de qualquer natureza, inclusive no âmbito dos juizados especiais;
III – comunicações de prisão em flagrante, pedidos de concessão de liberdade provisória, imposição e substituição de medidas cautelares diversas da prisão, e desinternação;
IV – representação da autoridade policial ou do Ministério Público visando à decretação de prisão preventiva ou temporária;
V – pedidos de busca e apreensão de pessoas, bens ou valores, interceptações telefônicas e telemáticas, desde que objetivamente comprovada a urgência; Poder Judiciário Conselho Nacional de Justiça
VI – pedidos de alvarás, pedidos de levantamento de importância em dinheiro ou valores, substituição de garantias e liberação de bens apreendidos, pagamento de precatórios, Requisições de Pequeno Valor – RPVs e expedição de guias de depósito;
VII – pedidos de acolhimento familiar e institucional, bem como de desacolhimento;
VIII – pedidos de progressão e regressão cautelar de regime prisional, concessão de livramento condicional, indulto e comutação de penas e pedidos relacionados com as medidas previstas na Recomendação CNJ no 62/2020;
IX – pedidos de cremação de cadáver, exumação e inumação; e
X – autorização de viagem de crianças e adolescentes, observado o disposto na Resolução CNJ no 295/2019.
Embora não haja previsão específica, pode-se buscar uma solução à questão mediante a analogia com outras situações similares. Nesse sentido, pode-se fazer referência a suspensão dos prazos no período de férias forenses, durante o qual podem ser realizados atos constritivos normalmente (cf. art. 212, § 2º, do CPC).
Sendo assim, questiona-se se o bloqueio ou a penhora se enquadrariam em medida extraordinária, nos termos da Resolução, ou se podem ser praticados em razão de os atos judiciais não estarem suspensos.
Frente a essa questão, entende-se que os atos judiciais desse tipo poderão ser realizados, e, ainda, nada impede que o Tribunal local, ao definir as atividades essenciais, considere o bloqueio e a penhora, ainda que não restem mencionados no rol do artigo 4º, como atos passíveis de serem determinados pelo magistrado, que, frise-se, não está com suas atividades suspensas, sendo realizadas em muitos casos na modalidade remota.
Posto isso, a dica que se dá com relação aos casos de execução, para quem figura no polo passivo da demanda, é de que se cerquem de todas as cautelas possíveis, realizando e protocolizando as peças processuais adequadas (processos eletrônicos), e se possível, que realizem os pagamentos que entendam devidos e impugnem aqueles que indevidos, assim como garantam o juízo para a fim de evitar surpresas desagradáveis neste período.