Não é novidade que a pandemia acelerou alguns processos que já vinham fazendo parte do cotidiano das relações humanas, com inegáveis reflexos sobre os vínculos de trabalho. Como um dos principais exemplos, pode ser citada a prestação de serviços fora das dependências do empregador que, em razão das limitações impostas pelos órgãos governamentais em decorrência da pandemia (SARS-CoV-2), viu-se obrigado a restringir o acesso ao ambiente de trabalho até então frequentado diariamente pelos empregados.
Entretanto, é importante estabelecer distinções entre as modalidades de trabalho realizado fora das dependências do empregador. O trabalho externo que dispensa o empregado do registro de horário, o home office e o teletrabalho, em que pese tenham em comum a prestação de serviços fora do estabelecimento da empresa, possuem nuances importantes a serem observadas por parte dos empregadores, principalmente no que diz respeito aos direitos e obrigações relativas à jornada de trabalho.
Para a caracterização do trabalho externo previsto no inciso I do art. 62 da CLT, que dispensa o empregador do registrar as jornadas de seus empregados e, por conseguinte, da obrigação de pagar horas extras, é imprescindível que haja incompatibilidade entre a atividade realizada e o controle de horários. Vale dizer que, ainda que as atividades sejam realizadas fora das dependências da empresa, em sendo possível o controle dos horários cumpridos pelo empregado, a ele são devidas as horas extras trabalhadas. Aqui vale ressaltar que diante das inúmeras ferramentas tecnológicas disponíveis nos dias de hoje (aplicativos de celular, GPS, relatórios de login e logout de softwares etc.), são restritas as possibilidades de caracterização de plena incompatibilidade entre a atividade desempenhada pelo trabalhador e o controle das jornadas cumpridas.
Já o home office (popularmente conhecido como “trabalho em casa”), em que pese sem nomenclatura correspondente na legislação trabalhista, é abarcado pela disposição contida no art. 6º da CLT, que prevê que “não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância (...)”. Logo, subentende-se que os dispositivos de lei que impõem ao empregador a obrigação de manter o registro de horário de seus empregados são plenamente aplicáveis àqueles que desempenham suas atividades no âmbito domiciliar.
Por fim, merece destaque o teletrabalho, previsto na CLT a partir da reforma trabalhista de 2017, e muitas vezes (equivocadamente, ao nosso sentir) tratado como sinônimo de home office. É que a partir da leitura do art. 75-B da CLT, verifica-se que o teletrabalho é definido como aquele em que os serviços são realizados “preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo”. Do referido dispositivo infere-se que o teletrabalho se diferencia do home office por não ser, necessariamente, desempenhado no domicílio do trabalhador (o que ocorre, por exemplo, com atividades realizadas nos chamados coworkings). Já com relação ao trabalho externo, o teletrabalho diferencia-se pela utilização de tecnologias que, em tese, permitem ao empregador o controle das jornadas de trabalho cumpridas nesta modalidade.
Diante da previsão da CLT de que o teletrabalho afasta o direito a horas extras, mostra-se imprescindível a devida identificação da modalidade de trabalho a que está submetido o empregado. Do contrário, deixadas de lado as peculiaridades que diferenciam o trabalho externo, o home office e o teletrabalho, as possibilidades de passivo trabalhista relativo às jornadas de trabalho e seus consectários crescem substancialmente.
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