Com a eclosão da pandemia mundial do novo coronavírus (Covid-19), empresas dos mais diversos segmentos passaram a enfrentar uma das maiores crises econômicas já vivenciadas e, para sobreviverem a esta nova realidade, têm trabalhado em medidas financeiras atípicas.
Embora o Conselho Nacional de Justiça tenha suspendido os prazos processuais até o dia 30 de abril de 2020, por meio da Resolução 313/2020[1], nada dispôs, de forma expressa, sobre a manutenção do pagamento de acordos judiciais em curso, que representa despesa considerável de muitas empresas, especialmente das pequenas e médias.
Em razão disto, algumas empresas reclamadas judicialmente, e que celebraram acordos nos processos, vêm buscando a chancela do Poder Judiciário para a suspensão dos pagamentos pactuados, a fim de superar os prejuízos ocasionados pela paralisação temporária de suas atividades.
Dos diversos argumentos suscitados, com maior frequência, identificam-se os artigos 393 do Código Civil[2] e 501 da CLT[3], os quais dispõem que o devedor não poderá responder pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior. A regra civilista prevê a aplicação do conceito de força maior para afastar a mora do devedor, desde que, expressamente, não se houver por eles responsabilizado. Já a previsão celetista é aplicável quando, direta ou indiretamente, o devedor não tenha contribuído para a situação, sendo os efeitos imprevisíveis e inevitáveis.
Reforçando este argumento, com o reconhecimento de estado de calamidade pública[4], a ocorrência da força maior é presumida e, a princípio, prescinde de prova nos termos do artigo 374, inciso I, do CPC[5].
Todavia, há a possibilidade de a Justiça do Trabalho exigir a demonstração da incapacidade de realizar, momentaneamente, o pagamento integral dos acordos celebrados, como forma de justificar a prorrogação dos vencimentos. Esta impossibilidade de honrar os compromissos assumidos poderá ser financeira ou mesmo operacional, no caso de estar inviabilizado o acesso aos documentos necessários ao pagamento. Exemplo disso seria eventual suspensão do contrato de trabalho dos empregados que laboram junto ao setor financeiro da empresa. Tal questão prejudicaria, inclusive, outros pagamentos até então regulares na rotina empresarial.
Embora os acordos trabalhistas refiram-se a verbas de natureza alimentar, na forma prevista na Constituição Federal[6], recentes decisões[7] demonstram que os juízes do trabalho têm aplicado a Teoria do Diálogo das Fontes, segundo a qual o Direito deve ser interpretado como um todo, de forma sistemática e coordenada.
A partir de então, busca-se a aplicação harmônica entre os Princípios norteadores do Direito e Processo do Trabalho em conjunto com ordenamento jurídico positivado, objetivando alcançar solução justa e razoável, em uma medida de gestão de crise, criando meios alternativos e menos severos nas relações judiciais para as empresas e resguardando os postos de trabalho que ela mantém.
Verifica-se, dentre as normas jurídicas aplicadas aos casos concretos, a presença predominante dos princípios, sendo eles, os Princípios da Razoabilidade, da Efetividade da Prestação Jurisdicional, da Cooperação entre os Litigantes e o Poder Judiciário, da Menor Onerosidade para as Partes e da Não Discriminação nas Relações de Trabalho, dentre outros.
De igual forma, os juízes reconhecem que o pactuado entre as partes leva em consideração a situação de fato existente no momento da celebração do acordo judicial e que a atividade empresária também é prejudicada pela crise econômica decorrente dos efeitos pandêmicos do coronavírus. Exigir o cumprimento integral do acordo provocaria a excessiva onerosidade de uma das partes, o que é vedado pela Teoria da Imprevisão, tratada pela Teoria Geral dos Contratos.
Acolhido o requerimento da empresa, os juízes do trabalho divergem entre a determinação do pagamento parcial do valor pactuado ou a suspensão total do pagamento do acordo e, consequentemente, da aplicação de cláusula penal, multas e juros de mora, enquanto vigentes as medidas emergenciais impostas pelas autoridades sanitárias.
Desta forma, diante da excepcionalidade do momento e da fragilização financeira experimentada pelas empresas, os pedidos de prorrogação do vencimento dos acordos celebrados estão sendo analisados individualmente. Têm sido especialmente considerados, pelos Magistrados, fatores como o adimplemento geral da reclamada e sua antecipação no pedido de chancela, como forma de demonstrar a boa-fé da parte para com o cumprimento da obrigação.
É tempo de repensar as relações processuais, visando mitigar danos irreparáveis aos empregados e aos empregadores, pautando-se na boa-fé objetiva. Desta forma, a Carpena Advogados coloca-se à disposição para sanar quaisquer dúvidas sobre o assunto e analisar as particularidades de cada situação contingente, na busca por alternativas viáveis e adequadas de forma individualizada.
[1] BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 313, de 19 de março de 2020. Estabelece, no âmbito do Poder
Judiciário, regime de Plantão Extraordinário, para uniformizar o funcionamento dos serviços judiciários, com o objetivo de prevenir o contágio pelo novo Coronavírus – Covid-19, e garantir o acesso à justiça neste período emergencial. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/03/Resolu%C3%A7%C3%A3o-n%C2%BA-313-5.pdf>. Acesso em: 27 abr. 2020.
[2] “Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não eram possível evitar ou impedir”.
[3] “Art. 501. Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente”.
[4] BRASIL. Decreto Legislativo Nº 6, de 2020. Reconhece, para os fins do art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a ocorrência do estado de calamidade pública, nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem nº 93, de 18 de março de 2020. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/portaria/DLG6-2020.htm>. Acesso em: 27 abr. 2020.
[5] “Art. 374. Não dependem de prova os fatos: I - notórios; […]”.
[6] A Constituição Federal, no parágrafo primeiro do artigo 100, dispõe que: “Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo”. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 27 abr. 2020.
[7] BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Processo nº 0020159-63.2017.5.04.0023. 23ª Vara do trabalho de Porto Alegre. Julgador: RENATO BARROS FAGUNDES, AUTOR: ELTON SCARTEZINI CORREA, RÉU: BECKER - SONORIZACAO LUZ E IMAGEM LTDA - ME E OUTROS (3), ID nº ba6dfc9, Dispobnível em: https://pje.trt4.jus.br/consultaprocessual/detalhe-processo/00201596320175040023. Acesso em: 27 abr. 2020; bem como BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Processo nº 0010230-63.2019.5.15.0141. Vara do Trabalho de Mococa. Julgadora: AMANDA SARMENTO GAKIYA WALRAVEN, Autor: LEANDRO COSME BUENO, Réu: FEREZIN - MANUTENCAO E MONTAGEM INDUSTRIAL LTDA, ID nº 8b7895e. Disponível em: <https://pje.trt15.jus.br/consultaprocessual/detalhe-processo/00102306320195150141>. Acesso em: 27 abr. 2020.