A doença causada pelo novo coronavírus, declarada como pandemia pela Organização Mundial da Saúde, tem gerado reflexos no mercado securitário, cujos contratos poderão sofrer consideráveis alterações no que tange à exclusão de riscos.
Nos contratos de seguro de vida, que são regulados pelo Código Civil e por Resoluções editadas pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) e pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), os riscos relacionados à pandemias e epidemias podem ser excluídos, de forma tal que as seguradoras que tiverem em seus contratos cláusulas específicas para tanto, estariam dispensadas do pagamento de indenizações securitárias cuja morte, por exemplo, tenha sido causada pelo COVID-19.
A questão, contudo, não é tão simples como pode parecer, uma vez que os contratos de seguro também se submetem à normativa do Código de Defesa do Consumidor, que, por seu caráter protecionista, impõe medidas relativas ao modo como as cláusulas excludentes devem estar dispostas no contrato; o dever de informa-las ao consumidor, dentre outros fatores.
Diante de tal contexto normativo, atendidas as regras consumeristas, a conclusão lógica é de que é permitido às seguradoras a inclusão da epidemia/pandemia nas hipóteses de exclusão de cobertura nos contratos de seguro de vida, prática adotada pela maioria das seguradoras.
A questão contratual, contudo, não demorou a ser posta em segundo plano dada a especulação de que as seguradoras, ainda que os contratos tivessem previsão para exclusão do risco por pandemia/epidemia, pagariam as indenizações securitárias em virtude da questão social envolvida.
A Federação Nacional dos Corretores de Seguros Privados e de Resseguros, de Capitalização, de Previdência Privada, das Empresas Corretoras de Seguros e de Resseguros (FENACOR), por exemplo, publicou em seu site um apelo para que as seguradoras “não apliquem nos contratos quaisquer cláusulas de exclusão ou restritivas de direitos relacionadas às epidemias ou pandemias”.
Não demorou, também, para que surgissem propostas legislativas visando a proteção do segurado. Está em tramitação o Projeto de Lei (PL) n. 890/2020, proposto pelo Senador Randolfe Rodrigues, que objetiva alterar o Código Civil para acrescentar em seu texto que: “O segurador não pode eximir-se ao pagamento do seguro, ainda que da apólice conste a restrição, se a morte ou a incapacidade do segurado provier da infecção por epidemias ou pandemias, ainda que declaradas por órgão competente.”
Algumas seguradoras já se manifestaram publicamente afirmando que farão o pagamento das indenizações mesmo que em seus contratos haja previsão de exclusão da cobertura. A decisão dessas seguradoras, contudo, trata de mera liberalidade, uma vez que estão autorizadas contratualmente a não realizar o pagamento das indenizações caso seus contratos prevejam a cláusula de exclusão.
Por certo, não se trata de ignorar o apelo social decorrente do caos que se instaurou no país e no mundo. O tema não é simples. Um dos princípios mais importantes do contrato de seguro é o mutualismo, que nada mais é do que a união de esforços para a formação de um fundo comum. A essência do contrato de seguro, por sua vez, é a predeterminação dos riscos, que serve, inclusive, para se estabelecer o valor do prêmio a ser pago pelo segurado. E é justamente o valor do prêmio pago pelos segurados que constitui o fundo para pagamento das indenizações de determinado grupo segurado.
Portanto, o pagamento de indenizações não previstas nos contratos acabaria por desequilibrar um grupo inteiro, pois os prêmios foram pagos de acordo com os riscos que foram segurados, e a exclusão de riscos serve justamente para se preservar o equilíbrio financeiro do contrato.
Enquanto não aprovado o Projeto de Lei (PL) n. 890/2020, a análise acerca do dever de pagamento da indenização securitária deve ser feita de forma individualizada com base nas cláusulas contratadas, e caso não aprovado o Projeto de Lei, a tendência é que as questões sejam judicializadas. |
Os reflexos da pandemia pelo COVID-19 no mercado securitário
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