Nos dias 22 e 24 de dezembro de 2020, foram publicadas as Soluções de Consulta Cosit nº 145 e Disit/SRRF01 nº 1009, respectivamente, trazendo importantes alterações na interpretação da Receita Federal do Brasil (RFB) acerca da tributação pelo IRPJ e pela CSLL dos benefícios fiscais concedidos pelos estados e inaugurando um novo momento no cenário das subvenções para investimento. Contudo, para que se possa melhor compreender o cenário atual, é necessário revisitar o contexto legislativo que nos trouxe até aqui.
A questão relativa ao tratamento fiscal das subvenções pode ser dividida em quatro momentos: (1) antes da edição da Lei Complementar nº 160/2017; (2) após a edição da Lei Complementar nº 160/2017; (3) após a publicação da Solução de Consulta Cosit nº 11/2020 e da Solução de Consulta Disit/SRRF01 nº 1008/2020, na vigência da Lei Complementar nº 160/2017; e (4) após a publicação da Solução de Consulta Cosit nº 145/2020 e da Solução de Consulta Disit/SRRF01 nº 1009/2020, ainda na vigência da Lei Complementar nº 160/2017.
No primeiro momento, até a edição da Lei Complementar nº 160/2017, a interpretação das regras aplicáveis às subvenções era feita com base no entendimento manifestado no Parecer Normativo da Coordenação do Sistema de Tributação nº 112/1978 da Receita Federal do Brasil. Em linhas gerais, à luz do parecer, consideravam-se subvenções para investimento os benefícios fiscais nos quais estivessem atendidos, de maneira cumulativa, os seguintes requisitos: (i) intenção do estado em fazer o repasse; (ii) efetiva aplicação do capital na implantação ou expansão do empreendimento econômico projetado; e (iii) titularidade do empreendimento econômico pelo beneficiário.
Atendidos os requisitos referidos no Parecer, o artigo 30 da Lei nº 12.973/2014 autorizava a exclusão dos benefícios fiscais de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, desde que também fossem observados os requisitos nele previstos, bem como os do artigo 198 e parágrafos da Instrução Normativa RFB nº 1.700/2017.
Não preenchidos os requisitos dispostos na lei e nos demais atos normativos, as subvenções seriam consideradas “para custeio” e, por conseguinte, estariam incluídas na base de cálculo do IRPJ e da CSLL (inciso IV do artigo 44 da Lei nº 4.506/1964).
A partir da publicação da Lei Complementar nº 160/2017, a discussão acerca das subvenções ganhou novos contornos: os benefícios fiscais de ICMS concedidos em atendimento ao regramento Constitucional e promulgados no âmbito do Confaz passaram a ser considerados como subvenção de investimento, devendo ser observadas, para tanto, as disposições do artigo 30 da Lei nº 12.973/2014. Esta definição contida na Lei Complementar nº 160/2017 permitia uma compreensão e aplicação mais segura acerca da tributação sobre os benefícios fiscais de ICMS.
Num terceiro momento, foram publicadas as Soluções de Consulta Cosit nº 11/2020 e Disit/SRRF01 nº 1008/2020, consolidando o entendimento que vinha sendo adotado desde a edição da Lei Complementar nº 160/2017, no sentido de que os benefícios fiscais de ICMS são qualificados como de subvenção para investimento, desde que observados os requisitos previstos no artigo 30 da Lei nº 12.973/2014. Por conseguinte, deixaram de ser exigíveis os requisitos arrolados no Parecer Normativa nº 112/1978, inclusive afastados em acórdãos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
Veja-se que, antes mesmo da publicação das soluções de consulta, a Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) já vinha demonstrando seu entendimento no sentido de que “a sincronia entre investimento e subvenção não é exigida por lei”, porquanto com a publicação, registro e depósito do incentivo fiscal estadual perante o Confaz, “não são exigíveis outros requisitos para o reconhecimento da subvenção para investimento, além dos enumerados pelo artigo 30 [da Lei nº 12.973/2014]”, tudo conforme o exposto no acórdão nº 9101-004.108, proferido no âmbito do processo administrativo nº 11080.731977/2013-79, em 10 de abril de 2019.
No mesmo sentido foi a conclusão constante do acórdão nº 9101-004.486, proferido pela CSRF em 05 de novembro de 2019, no âmbito do processo administrativo nº 10380.732850/2012-49, consagrando que a Lei Complementar nº 160/2017 “inseriu o § 4º, no artigo 30, da Lei nº 12.973/2014, para impedir a exigência de outros requisitos ou condições, além daqueles estabelecidos no próprio artigo 30”.
Assim, sedimentou-se o entendimento de que o tratamento tributário a ser dado aos incentivos e benefícios fiscais de ICMS, no que tange ao IRPJ e CSLL, deveria ser aquele das subvenções para investimento, bastando o cumprimento das exigências quanto à contabilização dos valores, previstas na Instrução Normativa RFB nº 1.700/2017, sem a necessidade de que fossem aplicados na implantação ou expansão do empreendimento econômico ou, ainda, firmado termo de acordo com o Estado outorgante da subvenção.
Ocorre que, no final do ano de 2020, foram editadas as Soluções de Consulta Cosit nº 145/2020 e Disit/SRRF01 nº 1009/2020, em que a Receita Federal do Brasil surpreendeu a todos, revelando uma alteração de seu entendimento: os benefícios fiscais considerados como subvenções para investimento somente poderão ser excluídos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL quando, além de atendidos os requisitos previstos no artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, tenham sido concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.
Com isso, o enquadramento dos benefícios fiscais de ICMS como subvenções para investimento passou a depender da demonstração de que fora instituído como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, com a prévia assinatura de termo de acordo com o estado outorgante do benefício fiscal.
Não se pode esquecer, contudo, que a matéria já foi objeto de análise pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Recurso Especial nº 1.605.245 e nos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 1.517.492, que assentou o entendimento de que os valores subvencionados sequer podem ser considerados como receita afastando a discussão sobre subvenção para investimento ou receita e concluindo pela não inclusão na base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Esse entendimento vem sendo aplicado em decisões recentes do STJ e de todos os Tribunais Regionais Federais também para se afastar as condições previstas no artigo 30 (outro ponto que vem gerando autuações fiscais).
Portanto, na linha do entendimento jurisprudencial, tem-se que a exclusão da base de cálculo do IRPJ e da CSLL dos benefícios fiscais de ICMS independe do enquadramento neste “novo” conceito de subvenção para investimento e, embora as Soluções de Consulta tragam risco de autuação às empresas, acreditamos que tais valores subvencionados não representam receita e, portanto, a observância ou não dos requisitos do artigo 30 e das recentes soluções de consulta seria irrelevante.
A questão ensejará debate e muita resiliência por parte das empresas, para que possam seguir fomentando a economia mesmo diante deste cenário de insegurança jurídica trazido pelas novas Soluções de Consulta da Receita Federal do Brasil.
Fonte: JOTA