Considerações sobre o direito fundamental à duração razoável do processo

Dentre as alterações trazidas pela Emenda Constitucional nº 45 no já distante ano de 2004, verificou-se a inclusão ao rol de direitos

continuar lendo

Dentre as alterações trazidas pela Emenda Constitucional nº 45 no já distante ano de 2004, verificou-se a inclusão ao rol de direitos e garantias fundamentais inscrito no art. 5º da Constituição Federal do direito à “razoável duração do processo e dos meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, nos termos do inciso LXXVIII, por ela instituído.

 

Reconhece-se, assim, direito fundamental à prestação de tutela jurisdicional em tempo adequado e, também, o dever estatal de promover meios processuais de se resguardar tal direito.

 

A questão relaciona-se fundamentalmente com a forma como o tempo é encarado nas relações processuais: se, antes, constituía elemento alheio e irrelevante à prestação de tutela pelo Estado, hoje, reconhecendo-se que a “justiça tardia consiste em nada mais do que injustiça institucionalizada”, alça-se o elemento tempo à condição de ônus processual a ser adequadamente distribuído entre as partes, e não mais de sacrifício imposto ao autor que, embora tivesse razão, deveria aguardar todo longo o andamento processual para ver tutelado o bem jurídico perseguido. Abandona-se, portanto, a ideia de que o processo deveria servir apenas como forma de resguardar garantias fundamentais de defesa do réu, abrindo-se espaço para a harmonização de tal elemento com a prestação de tutela jurisdicional efetiva, esta também um direito fundamental (art. 5º, XXXV, da CF).

 

É sob tal perspectiva que, muito antes da previsão constitucional expressa do direito fundamental à duração razoável do processo em 2004, já se instituíam, com as reformas processuais iniciadas dez anos antes, técnicas destinadas a retirar dos ombros do autor com razão o ônus de suportar o tempo do processo, atribuindo-o ao réu, que dele antes somente se beneficiava. Referimo-nos aqui à antecipação de tutela contra abuso de defesa e à antecipação de parte incontroversa da demanda no curso do processo, previstas, respectivamente, no art. 273, inciso II e § 6º, do Código de Processo Civil.

 

Tais técnicas processuais, como refere Marinoni, “abrem oportunidade à cristalização de formas processuais capazes de permitir o encontro da justiça em prazo razoável, evitando que a defesa carecedora de seriedade e a defesa que controverte apenas parte da demanda possam se sobrepor ao direito evidente e ao direito incontroverso” (MARINONI, 2007, p. 12).


Sob a ótica da parte autora, tais alterações representam muito mais do que formalismo processual indiferente à realidade e destinado apenas às formulações teóricas dos operadores do Direito: representam, em verdade, mudança significativa e concreta, decorrente de uma nova fase dos estudos processuais, em que o processo, resguardada sua autonomia científica, constitui instrumento a serviço do direito material perseguido pela parte (BEDAQUE, 2009, p. 17-18).

 

Nesse contexto, as técnicas processuais suprarreferidas, nos casos em que admitida a sua aplicação, ou seja, quando o réu abusa de seu direito de defesa ou torna incontroversa uma parte da demanda, antecipam a tutela pretendida pelo autor e atribuem ao demandado o ônus de suportar a demora do processo.

 

Ora, é preciso perceber, como assevera Marinoni, “que o réu pode não ter efetivo interesse em demonstrar que o autor não tem razão, mas apenas desejar manter o bem no seu patrimônio, ainda que sem razão, pelo maior tempo possível” (2007, p. 26), e que com isso não mais se compactua o processo civil, cumprindo ao Estado, na figura do juiz, harmonizar os direitos – fundamentais, destaque-se – de defesa do réu e à duração razoável do processo, sem o qual restaria prejudicado, também, o já referido direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.

 

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2009.
MARINONI, Luiz Guilherme. Abuso de defesa e parte incontroversa da demanda. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.